São Paulo, segunda-feira, 2 de setembro de 1996
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Minha Constituição

DARCY RIBEIRO

Meu colega e confrade José Sarney contou à imprensa que as reformas constitucionais propostas ultimamente por ele foram de inspiração minha.
É verdade. Cansado de ver reformas constitucionais irrelevantes e de esperar por reformas sérias, imaginei algumas que melhorassem esses ares constitucionais que estamos vivendo.
Propus, primeiro, que deixassem dessa mania de adjetivar o nome do nosso país. Ele se chama é Brasil. Não é Estados Unidos do Brasil nem República Federativa do Brasil.
Temos população, território e valor suficientes para assumirmos nosso nome como a Índia e o Japão assumem os deles. Brasil só. Sem penduricalhos.
Geralmente se pensa que nosso nome vem do pau-brasil, que viabilizou economicamente a costa atlântica do primeiro século. Um mapa do ano 1000 registra uma ilha Brasil perto das Anti-ilhas. Essa geografia de pescadores de bacalhau, ouvida e registrada por um cosmógrafo, torna verossímil que o nome de nosso país seja muito mais vetusto do que se imaginava. Voltemos ao nosso nome original: Brasil.
A segunda proposta que fiz a Sarney, que ele acolheu, foi mudar o nome de nossa Casa para Senado da República. Isso de Senado Federal é besteira de deputados. Eles precisam ser chamados federais porque há deputados estaduais, nós não. Devemos é retomar a tradição romana de Senado da República, que já escrevo em meus cartões de visita, mas por enquanto é ilegal.
Uma terceira reforma constitucional em que Sarney embarcou comigo, o que muito nos honra a ambos, é a de mudar a legenda da bandeira nacional. É ríspida demais: Ordem e Progresso!
Ela vem do velho Augusto Comte, que jamais diria coisa tão grosseira. Sua frase original era Amor, Ordem e Progresso. Peço que se inscreva em nossa gloriosa bandeira, para que seja fiel à história e se ajuste aos novos tempos: Faça amor, não faça guerra.
É claro que, além dessas reformas, até viáveis, aspiro outras, menos viáveis. Por exemplo, tirar da Constituição uma palavrota hedionda: preferencialmente, que atrapalha a vida do Brasil, impedindo que tenhamos um serviço público profissional e sério.
Com efeito, no artigo em que se declara que todos os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos por servidores de carreira, admitidos por concurso, aquela palavrota permite a senadores, governadores e outras eminências nomear quem bem queiram. Isso só não se faz no Itamaraty, no Banco do Brasil e no Tribunal de Contas da União. Por isso têm serviços públicos mais limpos e eficazes.
Outra reforminha que aqueceria meu coração é alterar o artigo 184, que exige prévia e justa indenização para desapropriar latifúndios improdutivos notoriamente ilegais. Assim o são porque o não-uso é um abuso frente à função social da propriedade.
São ilegais também porque nenhum de todos esses latifúndios que se apropriaram de metade do Brasil teve autorização prévia do Senado, que na antiga Constituição a exigia para apropriações de mais de 10 mil ha e na atual a exige para mais de 2.500 ha.
Essa legislação assassina, que converte a reforma agrária numa negociata, é que aciona o Movimento dos Sem-Terra. Propus uma emenda constitucional que viabilizaria a Reforma Agrária Aprovada, Fernando Henrique ficaria feliz, os sem-terra também.

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