São Paulo, segunda-feira, 2 de setembro de 1996
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Violência e questão social

PAULO PEREIRA DA SILVA

Uma sociedade violenta é uma sociedade a caminho da barbárie, sem lei e sem ordem. Por isso, mais importante do que discutir se devemos reprimir com igual violência o crime é discutir as causas do problema, diminuí-lo e erradicá-lo. Na minha opinião, o atual debate sobre a violência em São Paulo é bastante equivocado, embora oportuno, necessário e urgente.
O que é a violência e quais são suas causas? Violência é o crime organizado, o tráfico de drogas, o roubo, o sequestro, o homicídio e o estupro. Mas é também o desemprego, a corrupção e a falta de eficiência governamental com relação às questões sociais.
É uma violência inaudita privar o cidadão de emprego, de educação e de assistência médica. É dessa violência que nasce a outra, do cidadão desassistido e revoltado contra a sociedade.
Não pode ser uma simples coincidência o fato de a violência ter aumentado, em São Paulo proporcionalmente ao aumento do desemprego e da tensão social. O número de homicídios saltou da média mensal de 471, em 1990, para 679, hoje em dia. São 22 homicídios por dia. Quase uma morte por hora!
Segundo o Sinduscon, a construção civil empregava 1,13 milhão de pessoas em 1990. Hoje, apenas 550 mil. Nem preciso falar dos metalúrgicos.
Gostaria de esclarecer minha posição quanto a pelo menos um dos aspectos do atual debate no contexto da campanha Reage São Paulo, que apoiamos.
Acho que o banditismo, o sequestro, o tráfico de drogas, o assalto, o assassinato e o estupro devem ser punidos com o máximo rigor da lei. Mas para isso não basta equipar a polícia e aumentar o número de policiais.
Ninguém ignora que o policial mal pago e mal preparado -com as exceções dos abnegados de sempre- se confunde com os bandidos. Para melhorar suas condições de vida, policiais corrompidos traficam armas, vendem drogas e roubam carros. Na periferia das grandes cidades, contraditoriamente, protegem parte da população e humilham outra, interrogando com violência simples suspeitos de crimes.
De nada adiantará aumentar o policiamento se não prepararmos melhor os policiais, pagando-os melhor e treinando-os bem. É um dever do Estado.
Recentemente, no exercício de minha atividade sindical, fui agredido violentamente por um despreparado tenente da PM, que fraturou meu rosto em cinco pontos. Decidi perdoar o tenente, um trabalhador destreinado, e acionar judicialmente o Estado, que foi irresponsável ao colocar nas ruas um profissional sem a melhor qualificação para a manutenção da ordem.
Gostaria de falar também do aumento dos assaltos nas grandes cidades e da violência no campo. Já ouvi de trabalhadores desempregados frases do tipo: "Vou tentar ganhar a vida como camelô. Se não der certo, só roubando". É uma tristeza ouvir coisas como essa.
Se tivermos uma política de emprego eficiente, requalificação profissional adequada e um seguro-desemprego real, teremos menos violência nos centros urbanos. Se nosso país já tivesse feito sua reforma agrária, não existiria o MST nem teriam acontecido os massacres de Corumbiara e Eldorado dos Carajás. Se o governo tivesse uma política social mínima para as crianças de rua, não teríamos tantas crianças traficando drogas e se prostituindo.
Também não adianta combater o crime matando bandidos ou os enfiando em cadeias, que não recuperam ninguém. É preciso construir presídios-modelo e colônias agrícolas, nas quais os condenados pela Justiça tenham uma segunda chance, estudem cidadania e aprendam uma profissão, ao mesmo tempo em que trabalhem para o seu próprio sustento.
Uma reforma dos sistemas judiciário -hoje a lei só alcança o pobre- e penitenciário é fundamental para que a cadeia deixe de ser uma fábrica de bandidos. É um absurdo misturar nas mesmas celas pequenos criminosos com sequestradores, assassinos, estupradores e traficantes.
Só teremos resultados contra a violência se o governo combater o desemprego, requalificar o desempregado, amparar o excluído, recuperar os criminosos, preparar a polícia e pagar bem os policiais, para que não se corrompam. Se não for assim, nossas campanhas durarão anos, décadas, quem sabe um século.
A sociedade organizada deve se mobilizar contra o crime e a violência. Deve, principalmente, chamar a atenção para as causas do problema. Só assim ele será resolvido e viveremos em uma sociedade pacífica, próspera e feliz.

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