São Paulo, quarta-feira, 4 de setembro de 1996
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Maria Alice Vergueiro aponta para o alvo

DANIELA ROCHA
DA REPORTAGEM LOCAL

Maria Alice Vergueiro já fez comédias debochadas, shows e dramas clássicos, já dirigiu profissionais e universitários nos palcos. Agora, ela parte para a encenação de um autor contemporâneo pouco conhecido no Brasil.
A peça, a última do 6º Fiac (Festival Internacional de Artes Cênicas), terá duas apresentações, nos dias 7 e 8, e chama-se "No Alvo", do escritor austríaco Thomas Bernhard (1931 - 1989).
Atarefada com os ensaios finais, Maria Alice encontra um intervalo no trabalho que realiza em seu refúgio, uma silenciosa casa de vila no meio do burburinho do centro de São Paulo, para dar entrevista.
Apesar da concentração para a estréia, ela e o diretor Cacá Rosset, fundadores do Ornitorrinco, já estão se reunindo para planejar as comemorações dos 20 anos do grupo, no ano que vem.
"O Ornitorrinco já está quase atingindo a maioridade", afirma Maria Alice, que prefere não adiantar como será a festa. "Cacá está muito animado, mas pensativo, afinal são 20 anos", afirma ela, não menos pensativa (leia texto nesta página). Muito antes de integrar o Ornitorrinco, Maria Alice já fazia teatro. Ela cita alguns dos diretores mais significativos de sua carreira: Roberto Lage, Antunes Filho, José Renato. "Não sou cria do Ornitorrinco, muito pelo contrário", diz.
"No Alvo", a peça que estréia neste sábado, é uma das produções extra-Ornitorrinco. Esse texto do escritor Thomas Bernhard ("Árvores Abatidas"/84, "O Náufrago"/83, "O Sobrinho de Wittgenstein"/82), foi descoberto pela diretora, Annette Rammershoven, em uma viagem à Europa.
"Se esta montagem virar um 'cult', pode até ficar em cartaz por uma temporada", aspira ela.
A ação se passa em uma casa decadente. Será encenada no Casarão da Paulista, uma "casa cenográfica", na opinião da atriz, que contracena com outros três atores nesta montagem. Atores e público percorrem os cômodos durante as quase duas horas de espetáculo.
O papel central, de Maria Alice, é da mãe, uma matriarca que, junto de sua filha, vive de lembranças do passado. Exemplares da alta burguesia decadente, elas convidam um jovem dramaturgo para realizar uma viagem.
A decadência do edifício é pano de fundo para a decadência das personagens, que assistem a seu próprio fim, num enredo que mistura humor e tragédia.
A trama
Alvo em alemão também significa auge e objetivo. "Para Bernhard, o mais importante não era o objetivo em si, mas como atingí-lo." Segundo Maria Alice, a mãe da peça representa a Alemanha da época nazista. Thomas Bernhard proibiu a exibição da peça em seu país de origem, por causa do surgimento do neofascismo.
A mãe casou-se com um dono de fundição e teve filhos retardados. "Um deles era um monstro que morreu aos dois anos e meio."
Em uma das cenas, a mãe descreve para filha como ficou sabendo da morte do pai. Fala a verdade: que não amava mais o marido, que sentia nojo dele e que não ligou quando ele morreu. "A mãe é muito cruel."
Para falar de si próprio, Thomas Bernhard elaborou um personagem em "No Alvo": um escritor dramático que mostra seu lado pessimista e realista. "Ele mostra que a luta é você não se entregar."
Existe uma peça dentro da peça, chamada "Salve-se Quem Puder". "É uma metalinguagem. Essa peça fala do papel do artista na sociedade."
A relação entre mãe e filha é sadomasoquista. O escritor dramático é a salvação: "Ele é o alter ego da mãe. Ela espera que ele salve a sociedade. Mas, assim como Thomas Bernhard, o escritor não está deslumbrado com o sucesso."
Muito autocrítico, Bernhard tira sarro dele mesmo, usa muito humor negro e ironia, segundo Maria Alice. "Dizem que ele é pessimista, mas acho o contrário. É um exercício de rir de si mesmo, das suas besteiras."

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