São Paulo, quarta-feira, 4 de setembro de 1996
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Crítico está fechado em idéias de apostilas

MARCELO MARCUS FONSECA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Deus Baal tem o raio em suas mãos. Sua voz ressoa nas nuvens. A divindade, quando se manifesta, é sentindo o perigo, em sua forma primitiva de touro. No mais, é sereno. Baal nada tem de exibicionismo ou auto-afirmação, pois quem tem o poder é discreto.
Vivo em 1996. Brecht viveu esta peça em 1918, depois 1919, 1926 e 1954, como Dioniso em incessante renascimento, mas o Dioniso humano de Nietzsche, que vem à Terra como mortal, comum, para provar a dor e o prazer e, como um Prometeu, entregá-los de presente aos homens. Quando morrer, Baal pensa. Sua relação com a natureza não é de domínio, mas epidérmica. Ele come e é comido.
Sábado, dia 10 de agosto, vem a chuva do Deus Baal. A cidade está fria. E, no meio da platéia apaixonada, beijando literalmente de língua o ato Baal, senta-se o crítico Mario Vitor Santos e, como tal função lhe pedia, tem suas expectativas frustradas.
Ora, nada mais "baálico" do que frustrar uma expectativa. Ele começa sua crítica constatando a frieza do pátio interno da Oficina Cultural Oswald de Andrade. Diz que o esperado banquete brechtiano não consegue vencer a dispersão do pátio.
E, pior, diz que os atores estão intimidados com a peça, o que é proporcionalmente antagônico ao silêncio e à torcida que emergia da platéia neste espetáculo. Se Santos não percebeu isto, estava em outro lugar. E banquete brechtiano, sinceramente, é coisa de uma época sem Bill Gates e Internet.
Todas as afirmações do artigo, com exceção de um trecho que parece ter sido tirado do texto escrito por José Celso Martinez Correa para o programa da peça, são afirmações acadêmicas, mecânicas, que parecem ter sido traduzidas de enciclopédias teatrais didáticas, querendo afirmar que a peça do Brecht suicida tem uma forma correta de ser feita.
Baal conhece o bem e o mal e não os distingue em suas atitudes. Elas são simplesmente honestas e "a força histórica do poeta Baal" não "reside justamente em sua natureza fragmentária". Isso, como o próprio texto ensina, "é literatura, mas não tem importância". Baal sabe o que procura, sabe muito bem o que quer: o momento.
Para ele, não existe futuro, só presente. Baal não faz teorias, o que se torna uma teoria. Baal, o escrito por Bertolt Brecht, não é ninguém na ordem social, ou ainda, é só humano "da Selva, ou pior, da Silva", como diz Jards Macalé.
É Raul Seixas, Jean Genet ou Mendigo de Viaduto. Baal ama profundamente o minuto, o segundo e ama alguém por esse tempo. Mas se encontra em rotação, em mudança constante, como tudo que é humano e pulsa, como as idéias estão em rotação.
Se precisa beber, bebe; se precisa gozar, trepa; se precisa de cama, deita na grama como um touro. Mas quem precisa é ele. Ele significa um passo na evolução com seu retorno ao primitivo, e Mario Vitor Santos parece estar fechado em idéias universitárias de apostilas de quem não vive: analisa.
A peça deve voltar ao cartaz nos próximos meses, porque as pessoas vão até ela. O público goza. O crítico sublimou. "De natureza fragmentária".
Parece ser o estudo que o crítico fez dessa obra que pariu Brecht, e, não por outra razão, o crítico literário do banquete "soft", a bailarina dos Mech e suas edições, de pelegos professores da arte do teatro, teatrão, teatrinho, te-ato, do quinto veda, mostra o seu conhecimento equivocado. Abra a jaula.

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