São Paulo, quarta-feira, 4 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Varejão "opera" iconografia da América

KATIA CANTON
ESPECIAL PARA A FOLHA

A carioca Adriana Varejão faz de seu trabalho um campo cada vez mais sofisticado de experimentações com matéria e conceito.
O resultado são obras de impressionante densidade, verificada na série "América", composta de sete telas tridimensionalizadas com tinta, isopor, napa e óleo de linhaça.
A imagem mais flagrante nos trabalhos é a da carne humana, ensanguentada, dilacerada. Pois essa carne se transforma numa miríade de imagens, incorporando mapas que recontam a descoberta e leitura cartográfica do continente americano.
As superfícies dessa carne viram peles, carimbadas por tatuagens. Elas podem apresentar a forma e a memória cultural barroca, à imagem de um coração sagrado, ter o tom das paixões fogosas de marinheiro ou visitar a tradição dos iakusas japoneses, que tatuam o corpo com maestria estilística.
É quase impossível realizar uma leitura única desse sofisticado congregado de imagens e idéias. Mesmo porque Varejão foi buscar referências diversas para o trabalho, que podem ir de um livro de anatomia até textos de Walter Benjamim, dos quais a artista destaca a frase: "Na morte, a plenitude da matéria", referindo-se à forma intacta em que se mantém o interior do corpo humano sob formol.
"América" é uma narrativa que, literalmente, costura várias peles de significados: a tatuagem, a cartografia, a azulejaria, a natureza e os mapas celestiais. Esses elementos combinados evocam comentários sobre o continente.
Um dos passeios possíveis pela exposição se inicia na obra "Partida", uma longa faixa de tecido, em que uma pele é comprimida por um rolo, deixando escorrer corações despedaçados.
Daí passa-se para "Distância", que se refere aos naufrágios e explorações marítimas. A obra compõe-se de uma tela coberta por azulejaria branca, característica de botequim, com uma prateleira onde se enfileiram garrafas com rótulos de paisagens marítimas, cheias de óleo de linhaça, material fluido básico para dissolver tintas a óleo.
Segue-se "América", em que corpos esquartejados incorporam as primeiras representações formais dos mapas do continente, à época do descobrimento. "Espécimes da Flora" simula flores retiradas da tradição pictórica corporal iakusa e, ao mesmo tempo, registra exemplos da flora brasileira, recriados nas primeiras expedições ao Brasil.
"Laparotomia Exploratória 2 e 3" são telas onde, cirurgicamente, o corpo humano é examinado de dentro para fora. Aqui, superfícies dos órgãos humanos são "tatuadas" com a iconografia de azulejos barrocos portugueses e chineses, unindo comentários sobre influências culturais e o registro indelével da tatuagem no corpo e na vida.
"Livre" combina o azul de fundo da azulejaria com fragmentos de um torso carimbado por tatuagens com asas de anjos. A imagem preconiza um vôo rumo à liberdade.

Exposição: América
Quando: hoje (abertura), às 20h. De seg. a sex, das 10 às 19h. Sáb, das 10 às 14h; até 3 de outubro
Onde: galeria Camargo Vilaça (r. Fradique Coutinho, 1500, tel. 210-7390)
Quanto: entrada franca

Texto Anterior: Coreógrafo homenageia Balés Russos no Brasil
Próximo Texto: Weidle trata a matéria com humor sutil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.