São Paulo, quarta-feira, 4 de setembro de 1996 |
Texto Anterior |
Índice
Aliados dos EUA escapam de punição
ROBERT FISK
É verdade, Hussein é um homem mau. Suas prisões estão cheias de torturados, os carrascos trabalham 24 horas por dia -as mulheres são executadas às quartas-feiras e aos sábados- e sua polícia secreta mantém salas de estupro atrás de seus escritórios. Mas, se os alvos militares atingidos são específicos, a indignação moral também é altamente seletiva: se a iniquidade fosse o alvo do ataque aéreo norte-americano, então os bombardeiros B-52 deveriam cobrir de bombas todo o Oriente Médio, durante semanas. Americanos e egípcios teriam mantido uma amigável conversa logo antes do lançamento dos mísseis. Os EUA testavam a reação do presidente Hosni Mubarak ao bombardeio do Iraque. Nem o Egito nem os EUA divulgaram o teor das conversas, mas é certo que não se falou sobre o fato de que polícia egípcia tortura sistematicamente os suspeitos de fazerem oposição violenta ao regime. Choques elétricos nos órgãos genitais, espancamentos e queimaduras com cigarros são rotina na polícia política do Cairo. Nas cadeias egípcias, os guardas obrigam os prisioneiros a se estuprarem -para puni-los. No entanto, é certo que o Egito não será atacado. Sauditas decapitados Os norte-americanos também conversaram com os sauditas antes do ataque. E, com toda a certeza, não se falou sobre o fato de que homens e mulheres acusados de homicídio, estupro ou tráfico de drogas frequentemente não têm direito a advogado de defesa. Os julgamentos, além do mais, são secretos. Depois de condenadas, essas pessoas são decapitadas diante das mesquitas, nas manhãs das sextas-feiras. No entanto, a Arábia Saudita ainda acolhe cerca de 5.000 soldados norte-americanos e, por acaso, possui as maiores reservas de petróleo do mundo. Com certeza, não haverá B-52 voando sobre a Arábia Saudita. Israel e Bahrein Há também o caso do amigável Bahrein, base de frota norte-americana. De lá, os almirantes americanos faziam mira para lançar os mísseis Cruise contra o Iraque. A cerca de um quilômetro do comando da base norte-americana, a polícia secreta rotineiramente tortura os oponentes do regime que pedem a volta da democracia. Os presos são espancados e violados. Mas não há nenhum B-52 a caminho de Bahrein. Israel também foi avisado do ataque. Mas é mais do que certo que os norte-americanos e israelenses não conversaram sobre a notória prisão israelense de Khiam, no sul do Líbano, onde centenas de presos levam choques nos dedos e nos órgãos genitais. É quase certo que também não deve ter sido mencionado o massacre de 105 refugiados numa área da ONU durante uma ofensiva israelense no sul do Líbano, em abril. Esse banho de sangue ocorreu durante um ataque ao qual o secretário de Defesa do Reino Unido, Michael Portillo, deu sua aprovação moral. Mas nunca, jamais, um B-52 atacará Israel. Saddam Hussein deve pensar nos dias dourados, quando o Ocidente vendia armas para seu exército de torturadores e apoiava sua invasão do Irã. Pois quando ele fazia o que mandavam ninguém perdia tempo em falar em violação de direitos humanos em seu país. Quando se tem a amizade do Ocidente, não é preciso pagar o preço. Texto Anterior: Flores do crime Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |