São Paulo, quinta-feira, 5 de setembro de 1996
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Argentina vive crise de comando, diz Broda

DANIEL BRAMATTI
DE BUENOS AIRES

Para o economista argentino Miguel Angel Broda, o país vive uma "crise de comando", mais grave do que a provocada pelo antigo conflito entre o presidente Carlos Menem e o ex-ministro da Economia Domingo Cavallo.
"Sabíamos que o conflito Menem-Cavallo se definiria em algum momento. Hoje estamos na areia movediça. Hipotecamos os próximos três anos e só Deus sabe como sairemos", disse Broda durante um seminário para empresários e banqueiros, ontem pela manhã.
A crise de comando se manifestou, segundo o economista, nas concessões feitas pelo Executivo ao negociar com governadores e parlamentares o pacote fiscal anunciado no último dia 12.
"O governo não conseguiu fixar um teto para a transferência de recursos às Províncias nem aumentar a idade para a aposentadorias das mulheres. Tudo o que o pacote tinha de bom está sendo retirado", disse o economista, que recusou um convite de Menem para substituir Cavallo, no final de julho.
Para Broda, o governo já não tem um "ministro dominante", como nos tempos de Cavallo. "O ministro Roque Fernández poderia assumir um papel mais ativo, mas parece não querer", afirmou.
Menem, por sua vez, já não consegue se impor "por causa do desgaste que sofreu nos enfrentamentos com Cavallo".
A crise deve afetar a reativação da economia. "Não estamos próximos de uma hecatombe, apesar de a sensação térmica ser de catástrofe. Mas o certo é que o melhor já passou", disse o economista.
Broda viajou ontem ao Brasil. Antes de deixar Buenos Aires, o economista concedeu entrevista à Folha.
Folha - Até que ponto prejudica o governo o fato de a nova equipe econômica ser mais suscetível a pressões?
Miguel Angel Broda - A etapa da "superliderança" de Menem acabou. O presidente está no terço final de seus dez anos de governo e não tem o poder que tinha antes. A classe política quer co-governar e tem uma influência crescente. Neste contexto, a equipe econômica está negociando, de uma forma parecida com a do Brasil. É uma mudança em relação à política dos últimos cinco anos, quando as decisões de Menem e de Cavallo se impunham sem negociação.
Folha - O plano econômico pode enfrentar novos problemas?
Broda - Sim. Aumentamos muito os gastos em 1993 e 1994 e tivemos uma inflação superior à necessária para sermos competitivos. Não temos muitos elementos para incrementar o consumo e aumentar a produtividade e a competitividade. Isso é muito difícil no contexto dos custos sociais do plano e no final do governo Menem. Não acreditamos que a Argentina retome o caminho do crescimento verificado entre 1991 e 1994.
Folha - Se o sr. tivesse aceitado o cargo de ministro, agiria de forma diferente de Roque Fernández?
Broda - Eu daria muito mais peso à reforma do Estado. Incorporaria à equipe o melhor "management" (gerenciamento) que a Argentina tem -não economistas, mas administradores profissionais. E procuraria revitalizar o plano. A sociedade aprova o aprofundamento do programa nos momentos de crise. Se nos limitamos a buscar o consenso, muitas coisas ficam pelo caminho.
Folha - O governo diz que não é grave a situação fiscal. O sr. concorda com a avaliação?
Broda - Em termos do que se pode financiar, ou seja, aumentar a dívida para cobrir o rombo e os juros e amortizações, creio que a avaliação é correta. Mas isso não quer dizer que o problema fiscal não seja sério. Estamos enfrentando um crescente deterioramento: depois do superávit em 1993, tivemos déficits de US$ 1 bilhão em 1994, de US$ 3,8 bilhões em 1995 e de US$ 6 bilhões neste ano.
Folha - Como o sr. vê a situação da economia no Brasil?
Broda - O Plano Real é excessivamente dependente da política monetária restritiva para estabilizar, mas temos a sensação de que o Brasil iniciou uma fase ascendente do nível de atividade. Existe, é claro, a supervalorização da moeda, que impõe limites. Mas o país ainda pode devolver alguns impostos às importações, ou seja, desvalorizar sem promover desvalorização. Também existem dúvidas sobre a velocidade das reformas e sobre a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Há medo de que o populismo de direita ou de esquerda interrompam a abertura econômica.

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