São Paulo, quinta-feira, 5 de setembro de 1996
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Mangabeira Unger

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

No domingo passado tive o privilégio de conhecer Roberto Mangabeira Unger, em almoço na casa de Eduardo Suplicy. Trata-se de uma figura realmente extraordinária. Destoa do ambiente brasileiro, pela sua originalidade e independência.
Professor de direito em Harvard, vive nos EUA há cerca de 30 anos. Constitui uma exceção notável à regra Nélson rodriguiana de que brasileiro não pode viajar. Tem, é verdade, forte sotaque "físico", mas não pegou um pingo de sotaque espiritual.
É um homem não só de frases, mas também de perguntas lapidares. A certa altura, "out of the blue", voltou-se para nós e disparou: "Quais são os temas e contribuições do pensamento econômico brasileiro nos dias de hoje?" Instalou-se um silêncio total. Suplicy e eu nos entreolhávamos num mudo e desolado constrangimento.
Vocês sabem que o Suplicy é uma pessoa de rara e excepcional boa vontade. Deve ter feito um esforço sobre-humano para lembrar-se de algo digno de menção.
Mas, nada. Não conseguimos referir mais do que discussões de caráter conjuntural. A verdade é que o pensamento econômico entre nós constitui, em geral, mera reprodução aguada dos modelos fabricados nos EUA. Não há propriamente pensamento. Reina a mais absoluta e completa falta de criatividade e imaginação.
Ampliando o escopo da pergunta, Mangabeira ainda insistiu: "Mas tem alguém pensando o Brasil?" Novo silêncio constrangedor.
A verdade é que o Brasil está tão fora de moda quanto o fraque, o fusca e a Fiesp. O Brasil é muito impopular no Brasil.
Não pensem vocês que isso é alguma fatalidade ligada ao subdesenvolvimento. Há 30 ou 40 anos, o quadro era outro. Na economia e na história econômica, tínhamos Caio Prado e Roberto Simonsen, por exemplo. Na história e nas ciências sociais, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Vianna Moog e vários outros. Todos homens capazes de realizar trabalhos de grande fôlego e criatividade e de formular uma visão de conjunto do país.
E temos Celso Furtado, que continua contribuindo com sua lucidez e espírito público, grande sobrevivente que é da época em que o Brasil pensava por conta própria.
Hoje, estamos aí, vegetando intelectualmente e entregues ao realismo e pragmatismo miúdos, que inviabilizam a construção de visões nacionais e de projetos para o país. O sujeito que se atrever a formular proposições de conjunto corre sério risco de ser considerado anormal. Se bobear, acaba internado no hospício mais à mão.
Mas a noção de realismo é muito relativa. Recentemente, em entrevista à TV Cultura, Mangabeira Unger foi questionado por um jornalista a respeito das suas ligações com políticos "ultrapassados" e "messiânicos" como Leonel Brizola. O eleitorado brasileiro, explicava o jornalista, está cansado de políticos desse tipo. Prefere agora políticos racionais e realistas como Fernando Henrique Cardoso.
A resposta foi acachapante: "Por favor, não vamos confundir racionalidade com prostração, nem realismo com aceitação das coisas como elas são".
Não foi preciso dizer mais nada. O jornalista quase se enfiou embaixo da mesa.

E-mail pnbjr@ibm.net

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