São Paulo, quinta-feira, 5 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os agricultores e a fama de "caloteiros"

ALOYSIO BIONDI

Milhões de agricultores brasileiros, pequenos, médios e grandes, foram vítimas de maquiavélica manobra no ano passado: o governo convenceu a opinião pública de que os produtores rurais são "caloteiros" que nunca pagam suas dívidas, e desejam privilégios incríveis à custa do restante da sociedade.
Na realidade, em 1995 os agricultores estavam sendo massacrados, arruinados, perdendo suas terras, sob o bombardeio de petardos arremessados pela equipe econômica.
Primeiro: em fevereiro, o governo não reajustou os preços mínimos para as novas colheitas que, em tese, reduziriam os prejuízos dos produtores na hora de vendê-las.
Segundo: a equipe não liberou dinheiro para o governo comprar as colheitas, como manda a lei, e os produtores foram forçados a vendê-las a preços ridículos, com brutais prejuízos.
Terceiro: as dívidas de produtores, contraídas em anos anteriores, estavam explodindo porque, com o Plano Real, os empréstimos continuaram a arcar com o pagamento de uma "correção monetária" ainda mais pesada, a chamada TR, que não é calculada com base nas taxas de inflação, e sim com base nos juros pagos aos especuladores do mercado financeiro (isto é, muito acima da inflação).
Bombardeados por todos os lados, os agricultores esperaram por uma solução durante meses. Como ela não vinha, programaram a "marcha a Brasília", ou "caminhonaço". Nem assim seus problemas chegaram a ser entendidos pela opinião pública. Por quê?
Toda a ênfase do noticiário sobre o "caminhonaço" se concentrou nos pedidos para renegociar as dívidas -ignorando os terríveis prejuízos trazidos pela queda de preços devido à suspensão da compra de colheitas pelo governo.
E foi aí que se manifestou, mais uma vez, a habilidade maquiavélica da equipe FHC em manipular a informação. O governo distribuiu à imprensa estatísticas sobre a dívida rural, mostrando que a maior fatia da inadimplência se devia a uma parcela proporcionalmente pequena dos produtores.
A imprensa embarcou na manobra. Grandes jornais e revistas semanais, numa sincronia reveladora, publicaram reportagens sobre os "caloteiros", deixando de lado os problemas de milhões de pequenos, médios e grandes produtores. A estratégia de Brasília foi bem-sucedida: a opinião pública foi convencida de que a agricultura deseja privilégios.
As inovações que a equipe FHC/BNDES está anunciando para a agricultura são a ampliação do massacre. Ou a classe agrícola age para mudar sua imagem, ou não terá como se defender.
No Congresso
A estratégia de desmoralização do setor agrícola se estendeu até o Congresso. A "bancada ruralista" é apresentada sistematicamente como sinônimo de bandalheira, no noticiário. Qualquer proposta que ela apresente, por mais justa que seja, é noticiada como "pedido de privilégio".
Sem crédito O preparo da terra para o plantio da nova safra já começa a atrasar, ou está atrasado, porque o crédito não foi liberado. Fazenda e Banco do Brasil divergem sobre os juros. Os produtores que se lixem. Não plantem.
Sem-palavra
O governo FHC tem despejado imenso palavrório sobre a reforma agrária. Reportagem publicada ontem por esta Folha mostra que, no primeiro semestre, foram liberados apenas R$ 18 milhões -isso mesmo, R$ 18 milhões para o programa. Total previsto para o ano: R$ 620 milhões.
Tirania
Quando agricultores ou sem-terra bloqueiam rodovias, invadem prédios públicos para serem recebidos por ministros ou secretários de Estado, o presidente FHC ataca essas iniciativas, atribuindo-as a um "Brasil arcaico".
Reflexão: existe algo mais arcaico do que a tirania, o desprezo absoluto para com os cidadãos? É o que a equipe FHC tem feito com os pequenos, médios e grandes agricultores do país.

Texto Anterior: Mangabeira Unger
Próximo Texto: Pacote argentino sofre nova alteração
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.