São Paulo, quinta-feira, 5 de setembro de 1996
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Stefan Zweig acreditava no paraíso tropical

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele procurava a solidão, escreveu um dia que o Brasil era o país do futuro e terminou se matando, motivado pela desesperança, na rua Gonçalves Dias, 34, em Petrópolis, RJ.
"Stefan Zweig, o Amigo Ferido" (editora Plon), da biógrafa Dominique Bona, recontará para o público francês, a partir da próxima semana, a vida do intelectual que escolheu o Rio de Janeiro como cenário para o fim e tem agora, na França, um renascimento.
"Hoje em meu país -eu não sei como é no Brasil- Stefan Zweig é um dos escritores preferidos entre os jovens", disse Bona, por telefone, em entrevista à Folha.
Nascido em 1882 em Viena, Zweig fez parte de uma leva de foragidos europeus que escolheram o Brasil para se refugiar do avanço nazista durante a Segunda Guerra.
Sua primeira, e arrebatadora, visão do país data dos anos 30: "Ele esteve no Brasil em 1936 e ficou encantado com a terra. O que mais lhe deixou atônito foi a mistura de raças entre a população. Para ele essa era é a definição de Brasil".
Autor de biografias, contos, poesias, ensaios sobre filosofia e até um discurso fúnebre em homenagem a Freud (em 1939), Zweig fez do Brasil um tema em duas obras: "Pequena Viagem ao Brasil" e "Brasil - País do Futuro".
Mas não encontrou aqui, de maneira alguma, a felicidade.
"Ele foi para a Inglaterra. Depois para os EUA, para a cidade de Nova York; ele não permaneceu muito tempo ali porque na verdade não se sentia muito bem na América do Norte", afirmou Bona.
"Ele era europeu demais para se sentir à vontade lá. Ele procurava solidão. Foi então que se lembrou do Brasil, mas foi feliz apenas por um curto tempo."
Bona -que antes havia se dedicado a desvendar a vida de "Gala", a mulher de Salvador Dalí, em um livro lançado no Brasil pela editora Record- explica o caso após confessar que escreveu sobre Zweig para tentar descobrir "o segredo de sua permanência".
Bernanos
Mas o que motivou o suicídio de Zweig e sua mulher Lotte no dia 23 de fevereiro de 1942?
As hipóteses apresentadas por Bona são muitas. Da culpa pela "morte dos irmãos judeus" à dificuldade de viver "no paraíso" falando a língua do inimigo, alemão.
E, como um caso exemplar do estado de ânimo de Zweig no período, o encontro com escritor francês Georges Bernanos (1888-1948), outro exilado por culpa da guerra.
"Eu reconto o difícil encontro entre Bernanos e Zweig; o possível diálogo na solidão, porque na verdade eles eram pessoas muito diferentes. Bernanos aguardava o final da história da guerra com otimismo. Zweig, não."
Entre testemunhas, o romancista Geraldo França de Lima, que aos 82 anos ainda se lembra das falas de uma noite em Barbacena, MG.
"Bernanos recebeu Zweig da melhor maneira possível. Zweig estava abatido, parecia uma figura de cera. Isso aconteceu em 1942, em fevereiro. Eles conversaram sobre a guerra", conta França de Lima, membro da Academia Brasileira de Letras.
"Fomos jantar na Confeitaria Brasileira, os dois casais -os Zweig e os Bernanos- e eu. A mesa era uma fartura: tínhamos frango, carne de porco e muitas outras coisas, mas nós todos notamos que o Zweig não comia nada.
"Ele então disse 'nós aqui comendo e os judeus morrendo na Europa'. Foi aí então que o Bernanos convidou o Zweig para escrever um manifesto contra as atrocidades que ocorriam.
"Logo depois que se separaram, Bernanos disse: 'Esse homem está parecendo morto. Mas os aliados vão ganhar. É inegável'.
"No dia 23, chega a notícia da morte dos Zweig. Fui até o sítio Cruz das Almas contar para Bernanos. Até hoje me lembro do que ele disse: 'Não me surpreende. Quando ele nos encontrou, já estava agonizando'."

Onde encomendar - Livraria Francesa: r. Barão de Itapetininga, 275, tel. 011/231-4555)

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