São Paulo, sexta-feira, 6 de setembro de 1996
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O teste da confiança

CELSO PINTO

O "bate-boca" entre o diretor do FMI, Vito Tanzi, e o diretor de Política Monetária do Banco Central, Francisco Lopes, em torno das projeções para a dívida do governo, pode parecer conversa exotérica de economistas, mas não é.
No miolo da disputa está uma questão central: a capacidade ou não do Brasil provar aos investidores, aqui e no exterior, que a trajetória das contas do governo não é explosiva. Se os mercados acreditarem nisso, estarão dispostos a aceitar pequenos desvios de rota, sem perder a confiança.
Se duvidarem, hesitarão em comprar papéis do governo, com medo de um calote futuro. No limite, se a dúvida for muito forte, e endossada pelo FMI, os investidores, a certa altura, tenderão a se livrar dos títulos do governo, o que poderia transformar o calote numa profecia auto-realizável.
Naturalmente, a confiança vem de uma série de fatores. Quanto mais se aproximar a sucessão presidencial, por exemplo, maiores serão as dúvidas sobre a continuidade da política, mais volátil e nervoso deverá ser o mercado.
Um indicador chave sobre o futuro, de todo modo, é saber se a trajetória do endividamento público é ou não preocupante. Foi em torno disso que Tanzi e Lopes divergiram.
O governo se financia de várias formas: vende títulos pagando uma fortuna, recolhe depósitos compulsórios dos bancos pagando muito pouco, emite moeda sem custo algum, etc. A soma de todos os tipos de endividamento resulta na dívida líquida, isto é, a soma das dívidas do governo, menos a soma dos créditos.
Em julho, a dívida líquida era de R$ 241 bilhões, ou 33,9% do PIB (a soma das riquezas do país). Ela não é muito elevada em termos internacionais, mas é vital, para a confiança dos mercados, saber que ela não fugirá de controle nos próximos anos.
Para isso, duas variáveis são cruciais. A primeira é saber quanto o PIB vai crescer, já que o importante é ver o tamanho da dívida em relação ao PIB. A segunda é projetar quanto vai custar esta dívida.
Dadas estas duas hipóteses, é possível saber qual o esforço fiscal necessário para manter a dívida estável. Este esforço é traduzido pelo resultado primário, isto é, pela diferença entre receitas e despesas do setor público, sem considerar os juros e o efeito da inflação.
Tanzi projetou um crescimento de 4% ao ano, juros de 12,5% sobre a dívida e chegou à conclusão que será preciso o governo gerar um superávit primário em suas contas de 3,5% do PIB nos próximos anos para impedir um aumento da dívida. Lopes disse que o custo será de 9% e que, com um crescimento de 4% ao ano, o superávit primário necessário será de apenas 1,5% do PIB. Quem tem razão?
Lopes provavelmente está correto em relação ao custo. Neste ano, até agora, a dívida girada no open custou 13%, mas a dívida total, considerando outras formas, custou 11%. A menos que haja alguma crise inesperada, o custo deve cair, como prevê Lopes.
No entanto, Lopes está subestimando o ponto de partida. A dívida líquida ainda terá de absorver o Fundo de Compensação de Variação Salarial (mais de R$ 40 bilhões já reconhecidos), parte do ajuste dos bancos estaduais e a compensação da isenção do ICMS aos Estados, para citar apenas alguns itens mais importantes. O estoque da dívida líquida, portanto, provavelmente chegará perto de 40% do PIB num prazo não muito longo.
Com um estoque de 40% do PIB, mesmo que o PIB cresça 4% e o custo fique em 9%, só um superávit primário de 2% do PIB manterá a dívida estável. A equação só melhora se o PIB crescer mais e/ou o custo baixar mais.
O problema é que há dúvidas sobre a capacidade do governo de gerar até mesmo 1,5% de superávit primário, o que talvez exigisse cortar gastos sociais. Embora o país tenha conseguido gerar superávit primário em 9 dos 11 anos passados, neste ano ficará eufórico se conseguir empatar as contas. Como o próprio Lopes admite, com inflação baixa é muito mais difícil gerar superávits primários.
O governo precisa provar que é sério na sua política fiscal. O que, como costuma dizer um eminente economista do governo, é um teste empírico a conferir.

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