São Paulo, sexta-feira, 6 de setembro de 1996
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Legalização resolveria problemas cotidianos

DA REPORTAGEM LOCAL

Os casais homossexuais vêem na aprovação do projeto que prevê a união civil um primeiro passo contra a discriminação.
Para o gerente de expediente do Banco do Brasil Augusto José de Abreu Andrade, 41, o projeto é "fantástico", mas poderia incluir outros direitos, como o de o casal adotar crianças.
Andrade vive há 13 anos com o técnico de edificações Luiz Carlos Barros de Freitas, 37.
Há oito anos, eles decidiram adotar Leonardo, hoje com 16 anos ("Antes que você pergunte, ele é heterossexual e tem uma namorada"). Como a legislação brasileira não prevê a adoção por casais homossexuais, Leonardo foi adotado por Andrade.
"Leonardo é sustentado por nós dois e nos considera como seus pais, mas, se eu morrer, ele pode ser tirado do Luiz e levado para alguma instituição para menores", diz Andrade.
Andrade diz que conversou com a deputada federal Marta Suplicy (PT-SP), autora do projeto, sobre o tema. "Ela disse que as pessoas ainda vêem a adoção com ressalvas e que deveríamos deixar a questão para um segundo momento."
Segundo ele, não estão sendo pleiteados outros itens neste momento para as pessoas irem "se acostumando".
Para Andrade, a aprovação teria significado político. "Pela primeira vez, uma lei federal trataria da homossexualidade. Isso vai nos dar um respaldo fantástico, vamos passar a existir do ponto de vista legal."
Além da questão política, a aprovação resolveria problemas práticos, enfrentados pelo casal no dia-a-dia.
"Não podemos juntar renda familiar para comprar um imóvel e precisamos ter dois planos de saúde. Sem falar nas coisas corriqueiras. Se chegar a um hotel e um quarto com cama de casal me for negado, não tenho como me defender."
Freitas considera o projeto o início de uma discussão para o fim da discriminação. "O fato de eu ser gay não me isenta de pagar impostos. Se tenho deveres, quero ter direito ao meu direito de cidadania."
Ambos fizeram testamentos deixando 50% de seus bens-o máximo permitido pela atual legislação- um para o outro.
O projeto de união civil prevê o direito à herança. "A mesma família que discrimina o homossexual, quando ele morre, quer o patrimônio que não ajudou a construir. O companheiro fica desprotegido."
Ele diz acreditar que a discussão em torno do projeto ajudou a aumentar a visibilidade dos homossexuais. "As pessoas começam a se sentir mais integradas à sociedade, vão se sentir mais seguras e vão começar a sair do armário (assumir a homossexualidade)".
Para o psicanalista Arnaldo Dominguez, 40, a aprovação do projeto é secundária neste momento. "O projeto trouxe uma discussão e fez com que as pessoas pensassem e se posicionassem".
Dominguez vive com Edson Luiz Santos de Oliveira, 26, há um ano. Ele foi "casado" por oito anos com outro homem e diz que enfrentou problemas ao se separar.
"A separação nunca é de bens, é de maus. As pessoas sempre vão arrumar um motivo para brigar, por isso é preciso ter os direitos garantidos. Se não fosse pela lei, ninguém pagaria pensão para a ex-mulher, por exemplo."
Dominguez é argentino e, para garantir a permanência legal no Brasil, casou-se com uma amiga lésbica. "A namorada dela foi a madrinha". Separaram-se dois anos depois.
Na época, Dominguez já vivia com o namorado. Se a união civil existisse como prevê o atual projeto, a união com Maurício, com quem era "casado", poderia garantir a estada legal no país.
Seu companheiro, Edson, diz que a aprovação do projeto seria uma conquista social dos homossexuais. "Vou me sentir à vontade para apresentar um namorado para minha família. Quando eu for ao banco resolver alguma burocracia para o Arnaldo, não vou ficar sem graça se me perguntarem se somos parentes."

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