São Paulo, sábado, 7 de setembro de 1996 |
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Gerald Thomas expõe sua visão sobre a atual crise de expressão artística
MARIO VITOR SANTOS
Num plano anterior ao do céu, quatro vasos de privada abertos em linha. A música bem alta, cantada em língua estrangeira, é o "Quem Te Viu, Quem Te Vê", de Chico Buarque. Assim, mulher pelada e samba no pé, termina "Nowhere Man", de Gerald Thomas, que tem hoje a última de suas três apresentações no Festival Internacional de Artes Cênicas. Nela, escrita para o ator Luiz Damasceno, o diretor reincide na exposição de sua visão da crise atual da expressão artística, que estaria esgotada pelo experimentalismo e o desconstrutivismo. "Nosso herói", um ator-artista em tormento, sente que suas questões estão paradas no tempo. Lamenta-se -a qualidade de seu trabalho está decaindo e, o que é pior, o público o aplaude de pé, considera-o "cult". Ele julga-se presa de um esquema, um compromisso qualificado como fáustico. Tenta inutilmente fugir do que antes era uma bem-intencionada busca de transformação espiritual e virou prisão. Os temas e a maneira de mostrá-los são recorrentes e permanecem circunscritos aos limites obsessivos dos trabalhos do diretor. Marcado pela exaltação formal, o esforço de Thomas cinge-se ao uso intenso de recursos de cena em curtos encadeamentos dramáticos, dos quais resultam algum engajamento dos sentidos do espectador para se desdobrar em abismos de frustração e agonia. O produto dessa máquina institui um vazio que clama por ser preenchido, é verdade, mas que não deve ser atribuído à aventada crise da expressão artística, mas à pobreza, uma pobreza imponente, dos temas oferecidos ao público. Nesse contexto, fazem-se continuados desafios ao espectador e à sua tripla disposição -ou boa vontade- de participar, de "entender", de chancelar. Mas os desafios também são interditos, pois tudo em Thomas se apresenta revestido como truque de sedução teatral, brincadeira de gato e rato que repousa sobre o princípio de que qualquer contato dramático mais consistente deve ser evitado a qualquer custo. "Nosso herói", como diz o texto da peça, é um romântico, apesar de não acreditar no romantismo. Desesperado com a crise, decide rir-se dela, anunciá-la aos quatro cantos, constata que de uma certa maneira isso tudo o entretém. Morta, a musa-teatro dirige-se sambando ao céu de carneirinhos. Ainda ecoam as palavras de escárnio que o ator deixara para a posteridade: seu fracasso será aplaudido de pé, ele repete. Não demora muito e o auditório se ergue nos aplausos finais a Gerald Thomas e seu "Nowhere Man", como a confirmar o sinistro vaticínio. Peça: Nowhere Man Quando: hoje, às 21h Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, tel. 864-8544) Ingresso: R$ 25 Texto Anterior: '20/20' junta Blake com rock 'sinfônico' Próximo Texto: Rodolfo Konder lança coletânea de textos Índice |
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