São Paulo, sábado, 7 de setembro de 1996
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Jânio Quadros é romance policial ruim

ANTONIO CALLADO
COLUNISTA DA FOLHA

A figura de fama internacional que mais me faz lembrar a de Jânio Quadros é a de Agatha Christie. Ambos deixaram de escrever, respectivamente, o grande romance de mistério da própria vida que viveram. O livro de Jânio se chamaria, é claro, "Por Que Renunciei". O de Agatha Christie teria como título "Por Que Desapareci".
Como imagino que leitores mais jovens já não saibam muito bem quem foi essa grande feiticeira que vendeu 100 milhões de livros e foi a autora de "A Morte no Nilo" e de "O Assassino de Roger Ackroyd", me permito lembrar que ela própria sumiu um dia do mundo dos vivos. Já era famosa. Já criara, em 1920, seu grande detetive francês -perdão, belga- Hercule Poirot.
Um belo dia, porém, Agatha sumiu. Casada que era com um militar herói de guerra e parece que namorador contumaz, Agatha (que certamente não lembra, nos retratos, Emma Thompson ou Demi Moore) desapareceu de casa.
Conta o sisudo "Everyman's Dictionary of Literary Biography": por volta de 1926, Agatha "teve grande publicidade ao desaparecer de casa, sendo afinal encontrada, amnésica, num hotel de repouso do Yorkshire".
Encerrando o episódio, Agatha se separou do primeiro marido, casou com um arqueólogo e foi feliz e famosa pelo resto da vida.
Mas, apesar de nos haver deixado uma abençoada pilha de romances e mesmo uma gorda autobiografia, na qual conta o que sofreu com a separação, não deixou um pio sobre os dias em que, digamos, renunciou à razão.
Jânio Quadros também jamais nos deu a razão de sua renúncia. Eu estou convencido, ao acabar de ler a seu respeito um livro de Carlos Castello Branco e outro de Joel Silveira, que Jânio renunciou porque era néscio e irresponsável. Atirou o Brasil, que recebera são das mãos de JK, num parlamentarismo feito às pressas, amadorístico, e afinal na ditadura militar.
Como o país é de caipiras, Jânio conseguiu reaparecer como político e, ao morrer, em 1992, ainda pensava, nostálgico, em morar de novo no Palácio do Planalto, onde gostava de ver fitas de caubói.
A paciência do homem brasileiro com quem quer que chegue ao poder é ilimitada e servil. Quando ouço e sinto as esperanças daqueles que vêem o Brasil virando, em poucos anos, um tigre asiático, digo cá comigo: leva um século para virar jaguatirica.
Seja como for, acabo de ler Castellinho (póstumo) e Joel (cada vez mais vivo). O livro de Castello se chama "A Renúncia de Jânio Quadros" (editora Revan). O de Joel, "Viagem com o Presidente Eleito" (Mauad).
A primeira reflexão que fiz ao fechar o livro seco e contido de Castello e o livro alegre e etílico de Joel foi que, quando o Brasil criar juízo, o mistério Jânio Quadros não será mais o de saber por que ele repudiou a Presidência da República dia 25 de agosto de 1961 e sim como escapou de ser punido e expulso para sempre da vida pública e do respeito do povo brasileiro, depois de insultá-lo desta forma.
O insondável mistério é que, em 1985, Jânio se elegeu prefeito de São Paulo, derrotando Fernando Henrique Cardoso.
Mas não adianta. Um pouco por masoquismo continuamos, boquiabertos, a nos perguntar qual será a explicação para o já idoso mistério de 1961.
No seu livro, página 105, Castellinho declara: "Creio ir-se tornando evidente, na medida que chega ao fim este relato, que seu autor também não sabe por que Jânio Quadros renunciou".
Devo dizer, porém, que não é bem isso que se conclui da leitura do livro. Apesar de uma espécie de consideração, quase de ternura pessoal e piedade que Castellinho guardou por Jânio, de quem foi secretário de Imprensa, fica, em quem lê "A Renúncia de Jânio Quadros", a convicção de que o presidente -que morria de medo de Carlos Lacerda, que lhe atribuía planos golpistas- esperava que o povo, consumada a renúncia, o forçasse a retomar, com maior força, o poder.
Por tudo isso, e apesar do indiscutível valor histórico que tem o depoimento de Castello, acho que o livro de Joel Silveira, descompromissado, esclarece mais sobre o Tartufo em questão, Jânio da Silva Quadros.
"Viagem com o Presidente Eleito" conta as conversas de Joel, a bordo do "Aragon", com um Jânio que acabava de ser eleito para a Presidência com a maior votação conseguida até então por um candidato. O "Aragon", da Mala Real Inglesa, ia para Londres, com escalas nas Canárias e Lisboa. O diretor do "Diário de Notícias" soube, na moita, da viagem, e conseguiu um derradeiro camarote que havia a bordo para Joel.
Adianto logo ao leitor que, apesar de ter Jânio à sua disposição durante a travessia inteira e, de haverem bebido sem cessar no bar do navio, Joel não ouviu praticamente nada de Jânio Quadros sobre seu futuro governo. Porque, me parece claro, Jânio não tinha a menor idéia do que pretendia fazer na Presidência.
Bem, Jânio falava mal da UDN, isso falava, mas quando Joel tentava aprofundar a conversa, mudava de assunto. Como dona Eloá não o acompanhava ao bar, Jânio namoriscava uma moça açoriana deslumbrada com a oportunidade de conversar com o grande homem. Num desses encontros, a açoriana perguntou a Jânio que planos tinha para seu futuro governo.
Conta Joel: "Jânio pigarreou, e quando falou era como se a voz estivesse vindo lá das entranhas, solene e cava: 'Planos, minha senhôra, tenho-os e muitos. Mas não tantos quanto os problemas que terei de enfrentar, terríveis! TERRÍVEIS! Vou herdar um país arrasado, minha senhôra' ". E Jânio pediu, então, apoio do Joel, que concordou: "Terríveis!".
É curioso registrar aqui que nenhum desses dois livros menciona as duas melhores piadas que retive na memória dos tempos da renúncia de Jânio Quadros.
Uma foi o título que deu à notícia o "Times", não me lembro se o de Londres ou o de Nova York. Dizia apenas "Brazil Nut", que é simplesmente o nome inglês da castanha-do-Pará. Acontece que "nut" ou "nuts" designa, na gíria, um cara doido, ruim da cabeça.
A outra piada foi a do brilhante e saudoso Afonso Arinos, quando lhe perguntaram o que achava de Jânio Quadros. "É a UDN de porre", foi a resposta.

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