São Paulo, sábado, 7 de setembro de 1996
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'Tommy' ficou bem-comportado

ROGÉRIO SIMÕES
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS

A ópera-rock "Tommy", quem diria, envelheceu e se tornou um programa familiar para as tardes de sábado.
Criada pelo mestre Pete Townshend, com a ajuda de muitas drogas ilícitas, apresentada em parte pelo The Who no festival de Woodstock, em 1969, e levada ao cinema pelo genial Ken Russell, em 1975, "Tommy" é hoje um musical bem-comportado e recomendado para todas as idades.
A premiada versão da Broadway estreou anteontem, no Olympia, com muita dança e efeitos especiais competentes, mas sem a força que fez sua fama, 27 anos atrás.
O musical tem seus méritos, na maioria técnicos. A projeção de imagens em uma tela transparente, fazendo os atores atuar sobre elas, garante belo impacto visual.
Mas é pouco para uma ópera-rock que fez história muito antes de chegar à Broadway.
No final do primeiro ato da estréia, os primeiros acordes de "Pinball Wizard" arrancaram aplausos, mas logo a apatia tomou conta do palco.
A música é apresentada, na maior parte, por três rapazes, em um palco vazio.
Quem se lembra do que Ken Russell fez com a música, ao colocar Elton John sobre um par de botas vermelhas gigantes em um ginásio lotado, só pode se decepcionar com a versão do musical.
Alguns personagens também perderam parte da autenticidade.
O perverso, bêbado e pedófilo Tio Ernie, interpretado no cinema pelo saudoso baterista Keith Moon, no musical não chega a dizer a que veio. A cena em que ele se diverte com o garoto Tommy é, além de monótona, ingênua.
Para levar a história do garoto cego, surdo e mudo aos palcos, Townshend se associou a Des McAnuff.
Os dois recriaram a narrativa, com alterações sobre a versão original, novos trechos musicais e algumas letras reescritas.
O guitarrista do The Who já havia feito coisa semelhante ao finalizar a trilha do filme de Russell, mas desta vez o resultado foi contra a própria natureza de "Tommy".
Quando escreveu a ópera, Pete Townshend parecia ter raiva do mundo, e o personagem Tommy representava isso. Era alguém que, fora do mundo real, conseguiu se tornar superior.
A história que está no palco do Olympia passa longe disso. Tommy, interpretado de forma medíocre pelo ator Jason Reiff, é agora politicamente correto.
Não tem raiva do mundo, não se sente superior, apenas quer ser como qualquer outro de sua idade.
Mudanças sutis na letra de "We're Not Gonna Take It" tornaram isso possível.
Ao final do musical, em vez de tentar convencer os jovens súditos a não enxergar, não falar e não ouvir, como na versão original, Tommy pede que permaneçam como são, conscientes e presos ao mundo real. Só falta dizer: "Digam não às drogas".
Quando jovem, o guitarrista Pete Townshend dizia querer morrer antes de ficar velho. Não conseguiu, e parece que sua obra mais famosa segue o mesmo caminho.
"Tommy" pode ter se tornado imortal por meio da Broadway. Mas nunca foi tão velha.

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