São Paulo, domingo, 8 de setembro de 1996
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Réquiem pela federação

OSIRIS LOPES FILHO

O projeto de lei complementar do ICMS representa decisivo golpe aplicado à autonomia dos Estados e do Distrito Federal, por um governo federal, ao longo da curta história desse tributo.
É um produto da tecnocracia autoritária. Da brasiliense e da estadual. A estadual trocou, principalmente em relação aos Estados menos desenvolvidos, a possibilidade de arrecadar adequadamente o ICMS por algumas moedas que talvez resolvam suas atuais aperturas financeiras.
A tecnocracia brasiliense está feliz, pois, sob o argumento de dar um basta na alegada "guerra fiscal", ampliou demasiadamente a competência do Conselho de Política Fazendária, o Confaz. As Assembléias Legislativas estaduais passarão a ter recesso permanente em matéria de ICMS. Nada de relevante a decidir.
O que foi feito corresponderia à história do batedor de carteira que justificava seu ato como boa ação: diminuía o peso carregado no bolso.
Dispõe a Constituição que "cabe à lei complementar regular como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados" (art. 155, parágrafo 2º, XII, "g"). A deliberação é do Confaz.
O art. 27, parágrafo 1º, do projeto elencou, como incentivos ou benefícios fiscais, as principais hipóteses de suspensão e extinção do crédito tributário, típicas da estrutura dos tributos. Vale dizer, a centralização tributária alcançou seu limite máximo no Confaz, pois a disciplinação de hipóteses, como a remissão e a transação, serão por ele estabelecidas. O garrote é tão grande que até a fixação de prazos para pagamento de tributos, bem como a moratória, inclusive o parcelamento, dependerão desse conselho. A lei complementar não pode considerar incentivo ou estímulo fiscal o que, pela sua natureza jurídica, não o é.
Está-se a destruir a autonomia dos Estados sobre sua principal fonte de financiamento tributário. Por tabela, a dos municípios, que ficam com 25% da arrecadação.
Não tem havido limites à volúpia centralizadora de poder tributário que caracteriza a conduta do governo federal. Agressão à Constituição passou a ser prática permanente. Nesse ritmo, o ministro Kandir, pelo longo treinamento de ataques à Constituição, desde o governo Collor, com o confisco da poupança, poderá constituir uma esperança de obtenção de medalha de ouro na próxima Olimpíada, na categoria de luta-livre especializada.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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