São Paulo, domingo, 8 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um crítico oportuno e incômodo

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O economista e professor Paul Israel Singer, aposentado pelo regime militar em 1969 e hoje de volta à USP, está lançando um livro ao mesmo tempo oportuno e incômodo. É oportuno falar da própria gestão como secretário do Planejamento da gestão Erundina em São Paulo (1989-92) em plena campanha eleitoral da mesma Erundina. Ou seja, engajado como sempre, Singer estaria colocando na praça mais uma peça de propaganda eleitoral.
Embora esse oportunismo seja óbvio, o livro é ao mesmo tempo incômodo e, de um certo ponto de vista, acaba sendo não uma antipropaganda, mas com certeza muito mais que um panfleto. E muitíssimo mais que um panfleto popular ou populista.
Trata-se de um livro "sério", aliás sério ao ponto de ser chato, em especial para o militante de esquerda metido dos pés à cabeça na campanha. Essa seriedade e chatice são portanto um sinal de coragem, editorial e política, que faz da obra uma coisa híbrida entre oportuna e incômoda.
A seriedade está sobretudo na franqueza com que Singer encara o velho fantasma da esquerda puramente negativa, ou seja, da esquerda que recusa o "sim" (aliás, tema atual da campanha de Erundina). Nas suas palavras: "A esquerda tende a tomar seus desejos pela realidade". E o livro tem como objetivo esclarecer um pouco o processo de aprendizado, que para o radical de esquerda é sempre "traição", mas que consiste na aceitação das circunstâncias em que afinal é possível exercer um poder "alternativo" numa sociedade capitalista.
O livro quer mostrar o que se aprendeu, "tendo em vista as ilusões, os mitos e as ingenuidades que sempre são alimentados pelos que nunca passaram pelo exercício do poder governamental".
E a lição fundamental, para Singer, exige uma autêntica mudança de perspectiva diante da tradição marxista. Para o ex-secretário do Planejamento, "todos os programas de esquerda, hoje em dia, que têm viabilidade eleitoral reconhecem que a instauração do socialismo via poder de Estado não está na ordem do dia".
Há outras lições, que Singer apresenta resumidamente na "Introdução", como o fato de que apesar de a esquerda querer sempre a unidade dos explorados, existem, no seio da classe trabalhadora, divisões e conflitos às vezes até mais excruciantes que os existentes entre capital e trabalho. Para Singer, "governos de esquerda, que têm por objetivo conceder novos direitos e mais benefícios, são frequentemente surpreendidos pela violência dos embates entre facções da própria classe operária quando a satisfação de algumas demandas exclui a de outras".
Assim, é o próprio Singer quem reconhece, na "Introdução", que o título do livro pode frequentemente aproximar-se da mais desabrida ingenuidade. Afinal, nada mais difícil de realizar que "um governo de esquerda para todos".
Resta saber se os militantes e os críticos estarão interessados ou dispostos a acompanhar esse aprendizado. Aparentemente, essa tem sido efetivamente a trajetória do PT. Mas fica sempre a pergunta, posta pelo próprio Singer: onde acaba a autocrítica, onde começa a traição?

Texto Anterior: Os poemas obscenos de T.S. Eliot
Próximo Texto: As armadilhas da vida de repórter
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.