São Paulo, domingo, 8 de setembro de 1996
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Ação dos EUA pode beneficiar inimigos

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Se não fossem a tradição política de que não se critica presidente em tempos de crise internacional e o exacerbado patriotismo dos norte-americanos, o candidato da oposição à Presidência dos EUA poderia usar os recentes incidentes no Iraque como arma eleitoral.
O que soou para 79% dos entrevistados nas pesquisas de opinião como vitória militar dos EUA não passou de disparatada demonstração de força vazia de conteúdo que, a médio prazo, pode beneficiar grandes inimigos do país, inclusive o próprio Saddam Hussein.
Os ataques com mísseis e a ampliação unilateral da zona de exclusão aérea sobre o sul do Iraque foram feitos, segundo o presidente Bill Clinton, para punir Saddam pela ocupação de uma cidade curda no norte do país.
Mas a "resposta dura" de Clinton não mudou em nada a situação real: o norte do Iraque agora está mais perto do controle de Saddam e seus aliados entre os curdos do que nunca esteve desde o fim da Guerra do Golfo (1991). A intervenção americana não ajudou a unir os curdos no Iraque. Ao contrário, aprofundou sua divisão.
A facção curda com a qual Clinton se alinhou tem o apoio ostensivo do Irã, rival histórico dos EUA.
Qualquer ação dos Estados Unidos para apoiá-la reverterá em benefício do regime dos aiatolás, que, de acordo com o próprio governo Clinton, financia o terrorismo internacional.
Ao agir sem consultar aliados, entre eles a França, que se opunha aos ataques, Clinton corroeu ainda mais a já desgastada aliança que em 1991 derrotara Saddam.
A França está mais desobrigada do que antes para romper o embargo comercial contra o Iraque, o que ela deseja há muito tempo e, com isso, dar a Saddam o insumo de que ele mais precisa para se perpetuar no poder: dinheiro.
Saddam pode ter oferecido a Clinton a pá de cal da candidatura de Bob Dole, que perdeu uma de suas últimas esperanças de fazer o presidente baquear diante do público nos debates pela TV: a fragilidade com que vem conduzindo a política externa do país.
Mas o presidente do Iraque pode ter também dado a melhor cartada a favor de sua própria sobrevivência política em cinco anos com o incidente desta semana.

LEIA MAIS Sobre o Iraque à página 27.

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