São Paulo, segunda-feira, 9 de setembro de 1996
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Bósnia busca sua identidade em eleição

IGOR GIELOW
DE LONDRES

Quando forem contados os cerca de 2,9 milhões de votos de sua primeira eleição após o desmantelamento da Iugoslávia, a Bósnia poderá descobrir sua identidade.
Ela pode tornar-se um Estado multiétnico, unificado no Parlamento comum e com Presidência trina. Esse é o modelo previsto nos acordos de Dayton (EUA), que puseram fim a três anos e meio de guerra em 1995 e estão trazendo US$ 1,8 bilhão em ajuda ao país.
Ou virar dois países, a Federação Muçulmano-Croata e a República Sprska, a última de maioria sérvia. Ou três, se os desafetos islâmicos e croatas não se entenderem direito.
As eleições começaram na penúltima quinta-feira, com o princípio do árduo processo de captar votos dos refugiados da guerra -metade do eleitorado. Sua data oficial é o próximo dia 14.
"Parece que a ruptura bósnia é inevitável, a não ser que o país continue uma panela de pressão com a Otan servindo de tampa", disse William Peters, especialista em Leste Europeu ligado à Universidade de Londres.
A "tampa" citada são os 60 mil soldados da Otan (a aliança militar ocidental) que compõem a Ifor (sigla em inglês para Força de Implementação -dos acordos).
Tendência
A tendência de ruptura pôde ser checada nas eleições locais em Mostar, bastião da briga entre muçulmanos e croatas no sul do país, há cerca de um mês. O problema básico é o mesmo que gerou a guerra civil em 1992, quando a Bósnia se declarou independente da fragmentária Iugoslávia: ódio político-racial.
Os sérvios, que no começo da guerra eram 31% dos 4,4 milhões de habitantes do país, queriam continuar integrados ao poder iugoslavo, centrado na Sérvia do presidente Slobodan Milosevic.
Já os muçulmanos (44% da população), no governo, queriam a independência e foram apoiados pelos croatas (17%), que não se dão bem com islâmicos ou sérvios.
A guerra veio, e, com ela, as atrocidades. Os sérvios-bósnios foram os mais expostos à condenação internacional porque lutaram uma guerra de agressão nos três primeiros anos do conflito.
Em 1995, eles tinham até 70% do território bósnio e também regiões de maioria sérvia da Croácia. Sucessivos contra-ataques e a união entre a Croácia, os croatas-bósnios e os muçulmanos reduziu o controle à metade do país.
Pelos acordos de Dayton, 51% da Bósnia é muçulmano-croata, e 49% é sérvia. Os eleitores devem votar nos candidatos de seu grupo étnico.
Desconfiança
Os partidos que tentaram discurso multiétnico estão fora das listas de votação organizadas pela OSCE (Organização para Segurança e Cooperação na Europa).
A OSCE é responsável pelos 4.400 pontos de votação e tem 1.300 supervisores na Bósnia. Há outros cerca de 900 observadores independentes na região.
Alguns partidos pediram na semana passada para que os refugiados parassem de votar até haver certeza de que não haverá fraudes.
A desconfiança é geral. Na área sérvia, políticos ligados a Radovan Karadzic devem levar o pleito.
Karadzic, autoproclamado presidente da República Sprska durante a guerra, deixou o cargo para tentar fugir do Tribunal de Crimes de Guerra de Haia, no qual foi acusado pela "limpeza étnica".
"Mas Karadzic não deixou o poder, assim como seu chefe militar, Ratko Mladic (outro acusado), também não. Isso vai dificultar qualquer relação no tal Parlamento unificado previsto por Dayton", disse Peters.

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