São Paulo, terça-feira, 10 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Soberania intelectual

CRODOWALDO PAVAN

Na década de 80, o Brasil, por meio de um movimento atribulado de grande parte da sociedade, reconquistou a democracia. Nos anos 90, o país deu outro passo significativo, estancando o processo inflacionário. Agora, numa sequência histórica natural, o grande desafio que se apresenta à nação é a conquista do desenvolvimento, que não deve ser entendido apenas como o binômio "liberdade política/moeda estável" ou como a melhoria das condições econômicas dos segmentos populacionais situados no topo da pirâmide social.
É necessário que a democracia no plano político e a economia estabilizada sejam instrumentos capazes de reverter o quadro recentemente apontado pelo Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, no qual o Brasil, embora detenha a 10ª economia mundial, ocupa apenas o 58º lugar em termos de qualidade de vida, nivelando-se a países paupérrimos da África.
O desenvolvimento, em seu conceito mais amplo, pressupõe a redução drástica do contingente populacional excluído dos benefícios da economia. Para isso, o país precisa ingressar num processo irreversível e auto-sustentável de crescimento econômico, gerar empregos em larga escala, melhorar radicalmente os sistemas públicos de ensino e saúde e promover o conhecimento e a cultura, preparando seus jovens para o exercício da cidadania e para o trabalho em ambientes cada vez mais dominados por tecnologias de ponta, que nos últimos tempos brotam como sementes em terreno fértil.
Em síntese, é premente democratizar as oportunidades, oferecendo horizontes mais amplos aos jovens, independentemente do poder aquisitivo de suas famílias. Efetivamente, há muito o que fazer no sentido de que o Brasil consolide sua condição de potência emergente e ingresse no próximo século com um pé no Primeiro Mundo, ou pelo menos que diminua muito a grande desigualdade social que está emperrando seu desenvolvimento.
Para tarefa de tal dimensão, a sociedade não pode cruzar os braços, esperando apenas as ações isoladas do poder público. Grande parte da comunidade intelectual deve sair de sua inércia e ser mais participativa nas tentativas de soluções de numerosos problemas sociais. É preciso que, em todos os campos de atividades, brotem cada vez mais iniciativas voltadas ao desenvolvimento humano, científico, tecnológico, cultural e pedagógico.
Nesse contexto, a iniciativa privada tem papel fundamental, que transcende ao universo dos negócios, do aprimoramento da qualidade, da conquista de mercados, do fomento tecnológico e do alto nível de competitividade, fatores classificados hoje como fundamentais à sobrevivência das empresas na economia contemporânea.
À medida que mais empresas e entidades de classe engajem-se em projetos sérios de promoção e estímulo ao conhecimento científico e humanístico e de formação técnica/educacional, menos distante estará o Brasil do desenvolvimento.
Essas ações devem ser abrangentes, incluindo desde estruturas como as do Sesi/Senai e Sesc/Senac até o estímulo oferecido a pesquisadores e talentos, desconhecidos ou consagrados, de todas as áreas do conhecimento, como o representado por prêmios como o Moinho Santista e o Moinho Santista Juventude, que este ano enfocaram a área de letras, distribuindo prêmios valiosos entre seus vencedores: Rachel de Queiroz (Prêmio Moinho Santista, categoria "Romance"; Afrânio Coutinho, jornalista e livre-docente da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (Moinho Santista, categoria "História da Literatura"); professora Márcia Ivana de Lima e Silva (Moinho Santista Juventude, categoria "Romance") e professor Joaci Pereira Furtado (Moinho Santista Juventude, categoria "História da Literatura").
A multiplicação de ações dessa natureza é imprescindível para que o Brasil seja um dos sujeitos e não objeto no processo de globalização da economia. No novo mundo sem fronteiras, o grande diferencial de uma nação será a capacidade de seu povo de manejar, com soberania intelectual, todos os recursos materiais, naturais, tecnológicos e científicos. Para conquistar essa prerrogativa histórica, o país precisa, cada vez mais, estimular o precioso bem do conhecimento e da cultura.

Texto Anterior: Luzes de Moscou
Próximo Texto: Proálcool; Nem fatalismo, nem euforia; Retrato fiel; Acupuntura; Vilões anônimos; Mau exemplo; Sugestão
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.