São Paulo, quarta-feira, 11 de setembro de 1996
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Poeta baiano põe em dúvida autoria de canções do Skank

ARMANDO ANTENORE; LUIZ FRANCISCO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ajax Jorge da Silva, poeta de Salvador, vai reivindicar na Justiça a co-autoria de seis músicas que integram os dois últimos discos da banda mineira Skank.
O baiano afirma que batizou e escreveu as letras de "Pacato Cidadão", "Esmola", "O Beijo e a Reza", "Te Ver", "Garota Nacional" e "Eu Disse a Ela".
As quatro primeiras estão no CD "Calango", lançado pela Sony Music há dois anos. As outras integram "O Samba Poconé", que a mesma gravadora comercializa desde julho deste ano.
Juntos, os álbuns venderam 1.830.000 cópias e figuram, hoje, entre os maiores sucessos do mercado fonográfico brasileiro.
O poeta mostrou à reportagem da Folha os registros em cartório das letras. Todos exibem carimbo do dia 19 de novembro de 1990. O tabelionato que os avaliza é o do 8º Ofício de Notas, no bairro da Calçada, em Salvador.
Procurados pelo jornal, os componentes do Skank preferiram não se pronunciar sobre as declarações de Jorge da Silva.
Mas fizeram questão de reiterar que, conforme indicam os encartes dos discos, as seis canções têm como autores Samuel Rosa (vocalista da banda), Chico Amaral, Lelo Zaneti (apenas no caso de "Te Ver") e "mais ninguém".
Por enquanto, a Sony também não comenta o assunto.
Maçaroca O baiano evita especulações sobre como as letras chegaram às mãos do Skank. "Não me interessa o caminho que percorreram. O fato é que o grupo as tomou para si sem meu consentimento."
Os advogados do poeta preparam, desde a semana passada, ação indenizatória contra os mineiros por danos morais e materiais. Prometem movê-la ainda em setembro numa vara cível de Salvador.
Ajax Jorge da Silva, 41, calcula que já escreveu 336 poemas. A produção caudalosa, porém, nunca o animou a publicar um livro.
"Não sou músico nem literato. Meu negócio é verso. Faço-os desde a adolescência."
O poeta conta que, em 87, saiu da Bahia para passar uma temporada com um primo de Carapicuíba (SP). "Ele comandava uma banda de bairro, a Maçaroca, e disse que queria colocar melodia em um de meus poemas. Deixei."
Foi a primeira experiência como letrista, ainda que involuntária. Só a retomaria três anos depois. "Resolvi entregar umas poesias para Rita Ramos, cantora da noite e sobrinha do dono de uma padaria que fica perto de minha casa, em Salvador."
Imaginava que a moça, sabendo tocar violão, pudesse musicar os versos. "Como não a conhecia pessoalmente, procurei a mãe dela, que costumava vender roupas pelo bairro. Falei o que pretendia e lhe dei 36 poemas."
Antes, ressalva que tomou o cuidado de registrá-los. Manuscreveu-os em papel sulfite e, sob cada um, assinou o próprio nome. "Embaixo da assinatura, pus o número do meu RG."
Dividiu a papelada em dois lotes -um com 12 poemas, o outro com 24. E seguiu para o tabelionato do 7º Ofício de Notas, no centro. Também visitou o do 8º Ofício.
Os cartórios atestaram que a assinatura sob os poemas é de Jorge da Silva. O carimbo do primeiro lote imprime a data de 14 de novembro de 90. O do segundo, a de 19 do mesmo mês.
"Vi os papéis. As rubricas sobre os carimbos de 90 conferem com a de nossos escreventes", diz Rosalvina Novais Sérgio, funcionária do Tabelionato do 8º Ofício, onde o poeta tem firma aberta desde 82.
Bamda Mel "Três meses depois de confiar as letras à mãe de Rita, precisei viajar novamente para São Paulo", relata Jorge da Silva.
Quando retornou à Bahia, perto do carnaval de 92, levou um susto. "Ouvi a Bamda Mel cantar, no rádio, 'Crença e Fé'. Reconheci logo o título e a letra da música. Eram meus. O poema estava entre os que passei para Rita."
Ocorre que, nos créditos da canção, constavam apenas os nomes de Ademário e Beto Jamaica.
"Não deu um mês e a Bamda Mel apareceu cantando outra música com letra minha: 'Baianidade Nagô'. Era mais um dos poemas que entreguei à mãe de Rita. Só que o compositor Evany o assinava."
No dia 26 de março de 92, Jorge da Silva abriu um processo contra a Bamda Mel, Ademário, Beto Jamaica, Evany, Rita, sua mãe e a gravadora Continental. Acusa-os de "usurpação e locupletação ilícita". A ação tramita em Salvador, na 5ª Vara de Assistência Judiciária, e aguarda sentença.
Outro lado O poeta afirma que, há quase dois anos, constatou que os rapazes do Skank enveredaram pelo mesmo caminho da banda baiana. "Fazem música em cima de poemas que dei para Rita."
Por que, então, só está tomando providências agora? "Não gosto de briga. O processo contra a Mel me desgastou muito."
Rui Costa Andrade -advogado de Rita Ramos- diz que, por ora, nem a cantora nem a mãe comentarão o caso. "Elas nunca receberam nada de Jorge da Silva e não conhecem os integrantes do Skank. Quanto à Mel, só vieram a conhecê-la durante o processo."

Colaborou Luiz Francisco, da Agência Folha, em Salvador.

LEIA MAIS sobre o Skank à pág. 4-3.

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