São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 1996
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Eis a questão

JANIO DE FREITAS

Ser ou não ser cumpridor do protocolo de presidente da República e comparecer ao enterro de um ex-presidente da República?
Ir, sob o risco de atitudes desafiadoras por parte de alguém da linha dura exasperada com a indenização à família de Lamarca? Ou não ir ao enterro de um general-presidente, sob o risco de ser a ausência interpretada como mais um agravo aos militares?
Ah, que dia hamletiano.
Geisel
Quem foi integralmente contrário à ocupação do poder constitucional pelo poder militar, e este é o meu caso, não pode ter opinião retilínea sobre o general Geisel.
É impossível não reconhecer nele o construtor da via, depois alargada pelo general Figueiredo, que restituiu aos brasileiros o direito de não serem subjugados pela arbitrariedade armada. Será sempre necessário lembrar a determinação corajosa com que o general Geisel acabou enfrentando, e venceu, os criminosos da tortura policial-militar, fossem os que tinham a mão no sangue ou os engalanados que usavam a mão alheia.
Geisel foi o último a exercer os poderes da Presidência com uma concepção definida de estratégia geopolítica e econômica para o Brasil.
Alternativa ou não
Como oficial do Exército, seu maior feito conhecido foi planejar alguns atos terroristas, entre os quais o de dinamitar a adutora que abastece o Rio, para exteriorizar a insatisfação salarial do seu grupo de capitães. Como deputado federal pelo PPB, não se sabe que tenha feito algo mais relevante do que resolver o problema dos seus vencimentos.
Parece pouco para que Jair Bolsonaro fique impune como deputado, tal como ficou por aquele seu feito maior como capitão, depois do que disse motivado pelo caso Lamarca: "Erro grave do regime militar foi o de não ter eliminado de vez essas dezenas de traidores do Brasil, entre eles o atual presidente da República, Fernando Henrique Cardoso".
Como pessoa, Fernando Henrique Cardoso poderia dar ou negar ao insulto de Bolsonaro a importância que quisesse. Mas um insulto público a quem está investido da Presidência não cabe mais nos limites da pessoa.
Em outro âmbito (cujas eventuais providências não isentam a Presidência da obrigação de proteger-se como instituição), a Câmara dos Deputados dispõe de uma Mesa Diretora incumbida, entre outras tarefas, de prover a aplicação do Regimento Interno da Casa. No qual estão definidos os casos de quebra do decoro devido por todo parlamentar e as respectivas consequências. A omissão da Mesa, na aplicação do Regimento, é também uma forma de quebra do decoro.
"Não estou preocupado com a reação do presidente. Ele foi um traidor mesmo. E repito isso quantas vezes precisar", foi o complemento de Jair Bolsonaro, acompanhando sua precaução de mandar a Fernando Henrique um fax com as declarações.
Na mesma ocasião e motivado pelo mesmo caso Lamarca, Fernando Henrique mandava distribuir a declaração de que, "na democracia, não há alternativa ao respeito à lei". Para conferir a validade da frase no Brasil, não se precisa mais do que observar o futuro próximo de Jair Bolsonaro.

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