São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 1996
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Coréia do Sul: o fracasso do pessimismo

MAILSON DA NÓBREGA

O presidente da Coréia do Sul nos visitou esta semana com porte de líder de país rico, acompanhado de ministros e empresários. Falou-se em investimentos de US$ 5 bilhões no Brasil.
Isso seria impensável no início dos anos 50. A Coréia era então um país atingido pela fome. A guerra matara 1 milhão de pessoas e arrasara a economia.
Eram tempos de pessimismo. Nos idos de 1960, projeções do Banco Mundial indicavam que as maiores chances na Ásia eram de Burma e Filipinas. Nações sem muito futuro: Coréia e Taiwan.
As projeções foram desmentidas pelo mais espetacular sucesso econômico e social da história. A Grã-Bretanha levara 60 anos para dobrar sua renda per capita depois de 1780, os EUA 50 anos depois de 1840 e o Japão 33 anos depois de 1880.
Na Ásia, tudo foi mais rápido: 17 anos na Indonésia depois de 1965, 11 anos na Coréia do Sul depois de 1970 e dez anos na China depois de 1978.
No Brasil, há quem atribua esse êxito à intervenção estatal, o que está longe de ser verdadeiro, embora a ação do Estado tenha sido importante no início.
De fato, o sistema bancário coreano ainda é fortemente estatal. O crédito oficial teve muito a ver com o crescimento dos "chaebols", os gigantescos conglomerados familiares.
O sucesso coreano é, todavia, uma combinação complexa de fatores: disposição para o trabalho, investimentos corretos em educação, alto nível de poupança, ausência do paternalismo, receptividade às novas idéias e assim por diante.
No início, o coreano labutava mais de 50 horas por semana, descansando em domingos alternados. Nos anos 80, trabalhava por semana dez horas mais do que o japonês e 17 horas mais do que o alemão ocidental.
Os gastos em educação foram concentrados na universalização da escola básica. Em 1985, apenas 10% iam para as universidades, contra 43% na Venezuela e 70% no Brasil. Em vez de resolver o problema do ensino de primeiro e segundo graus, nós, os latinos, preferimos subsidiar a classe média.
A taxa de poupança dos asiáticos é estonteante: 35% do PIB em média, excluído o Japão. O dobro da latina. Investem muito sem depender dos outros. No Brasil, após chegar aos 25% do PIB, a taxa caiu para menos de 20%, com a crise fiscal e a superinflação dos anos 80.
Os asiáticos fugiram da previdência paternalista. Em Hong Kong, o mais radical, apenas 5% dos gastos públicos vão para a Previdência Social. No Brasil, isso representa quase a metade do Orçamento federal.
Esses países se caracterizam por sociedades fortes e não por Estados gastadores. Eles não possuem, diferentemente do Brasil, o hábito de proteger as empresas e os indivíduos contra a competição e a tecnologia.
Os coreanos viveram por quase 30 anos sua ditadura militar. Na democratização, evitaram escrever uma Constituição "cidadã", como a nossa de 1988, hoje o maior obstáculo ao desenvolvimento e ao avanço social.
A ausência de paternalismo e do Estado provedor na Ásia não trouxe concentração de renda. Ao contrário, o rápido desenvolvimento reduziu as desigualdades, o que é visto como um fato sem precedentes na história.
Mais uma diferença em relação aos latino-americanos: a flexibilidade, a qual permite aos asiáticos adaptação rápida às profundas transformações decorrentes do avanço tecnológico e de sua crescente inserção internacional.
Sua vantagem é não ter grupos de interesse ou corporativismo, como no Brasil. Estão livres das minorias ativas que, nestas plagas, conseguem preservar privilégios sob a influência de antigas visões católicas e ibéricas ou sob o disfarce de direito adquirido.
É verdade que os asiáticos ainda têm muito que fazer na construção de uma sólida base institucional. Alguns países ainda exibem corrupção mais grave que a latino-americana.
Embora não reproduzível por aqui, a experiência da Coréia do Sul deveria ser exemplo para a classe política brasileira, ainda prisioneira, em grande parte, de uma postura anticapitalista que já era velha antes mesmo de os coreanos iniciarem sua brilhante trajetória.
P.S. Para os interessados, sugiro o excelente livro-reportagem de Jim Rohwer, "Asia Rising", Simon & Schuster, Nova York, 1996.

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