São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 1996 |
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Qual é a alternativa à reforma agrária?
JOSÉ GRAZIANO DA SILVA O presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) divulgou uma pesquisa sobre os assentamentos realizados pelo Incra, procurando mostrar que a reforma agrária não funciona.Até o momento, só tive acesso aos números divulgados pela imprensa, mas tenho a convicção que ele deu um tiro no pé. Uma rápida comparação com os dados disponíveis da Pnad de 1995, recém-divulgada pelo IBGE, mostra uma triste realidade do nosso Brasil agrário, muito similar ao dos assentamentos. Assim, por exemplo, a Pnad de 95 mostra que 5,3 milhões de famílias rurais tinham uma renda monetária de até três salários mínimos, o que dá uma renda média mensal de apenas R$ 157,20, contra os R$ 132,14 encontrados pela pesquisa da CNA entre os assentamentos. Ou seja, duas em cada três das famílias rurais brasileiras tiveram, em 1995, uma renda média muito próxima dos ex-sem-terra. E é bom lembrar que a pesquisa da CNA não considera os benefícios não-monetários recebidos pelos assentados (como o fato de ganharem também uma casa para morar e, portanto, não precisarem pagar aluguel) nem a produção doméstica que não é vendida. E, segundo os dados da própria pesquisa da CNA divulgados pela Folha (pág. 1-9, 21 de agosto de 1996), "cerca de 42% dos assentados produzem apenas para consumo próprio" e "as culturas predominantes nos assentamentos são as de milho, mandioca e feijão, seguidas pelo cultivo de arroz, frutas, legumes e verduras". Se compararmos os bens possuídos, os dados também não diferem muito dos obtidos pela CNA: 80% dos ex-sem-terra têm rádio e 33%, televisão; nos domicílios rurais com renda de até três salários mínimos pela Pnad 95, 76% têm rádio e 37%, televisão. As diferenças maiores aparecem quando comparamos os serviços que dependem do poder público: 66% dos assentados não têm nenhuma forma de coleta de esgoto e 62% não têm energia elétrica. A Pnad 95 mostra que mais de 50% dos domicílios com renda inferior a três salários mínimos também não tinham coleta de esgoto e 45% não tinham energia elétrica. O presidente da CNA enfatizou, ainda, o baixo nível tecnológico dos assentamentos, ressaltando que apenas 17% dos assentados têm ou usam tratores. Ora, os dados dos censos agropecuários de 1985 (infelizmente, os últimos disponíveis) mostram que menos de 10% de todos os estabelecimentos agropecuários do país -pequenos, médios e grandes- usavam tratores. Essa proporção não mudou muito de lá para cá, dadas as restrições para o crédito rural de investimentos, que praticamente desapareceu desde então. Longe de mim querer defender esse arremedo de política agrária que está aí. O fato de os assentamentos refletirem o mesmo quadro de miséria e abandono dos nossos pequenos e médios produtores rurais decorre, fundamentalmente, da política de assentamentos posta em prática no Brasil. É uma "reforma agrária de pipoqueiro": os governos -inclusive o atual- se limitam a correr atrás dos conflitos que estouram aqui e acolá. Desde 1987 o país não tem um plano nacional de reforma agrária como exige o Estatuto da Terra. Os assentamentos não passam de intervenções pontuais, verdadeiras ilhas cercadas de problemas por todos os lados: juros de agiotas, atravessadores, latifundiários armados... A própria pesquisa da CNA mostra que menos da metade dos colonos recebe assistência técnica; e 80% têm que financiar a produção com seus próprios recursos, pois não há uma política agrícola diferenciada para os assentados, que estão recomeçando praticamente do nada. Não é de estranhar que, depois de oito anos, muitos acabem por se assemelhar a seu entorno, nem que um terço dos assentados abandone a terra ou acabe vendendo o seu lote para terceiros... Mas a pergunta que devemos fazer é: qual outra política pública poderia ter propiciado casa, comida e trabalho para essas 171.523 famílias -muitas semi-analfabetas- que estão hoje assentadas em todo o país? Por acaso seriam absorvidas pelas novas fábricas que estão se implantando no país? Poderiam ser camelôs na praça da Sé? E qual seria o custo alternativo de deixar esse pessoal continuar a migrar para São Paulo? Hoje, a inserção produtiva de migrantes rurais semi-analfabetos é quase impossível: as oportunidades de trabalho são cada vez menores e mais exigentes, não atendendo nem mesmo à demanda daqueles que já estão enraizados nos grandes centros urbanos. Os sem-terra sabem disso. E sabem também que, se não conseguirem um pedaço de terra, verão seus filhos se tornarem trombadinhas, mendigos e prostitutas. Um detento no Carandiru custa de três a cinco salários mínimos por mês aos cofres públicos. Se não houvesse outras razões, seria preferível a pior das reformas agrárias -que ao menos garante casa, comida e trabalho por uma geração e custa menos que a metade disso. Texto Anterior: Coréia do Sul: o fracasso do pessimismo Próximo Texto: FMI fecha ano com empréstimo recorde Índice |
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