São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 1996
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Meia liberdade

JUCA KFOURI

Como não existe meia democracia e não existe meia virgindade, haverá quem diga que também a meia liberdade não existe. E talvez tenha razão. Talvez.
Porque, de fato, os jogadores de futebol no Brasil passarão a viver em 1997 sob o regime da meia liberdade. Aqueles que têm 26 anos em diante estarão livres para trabalhar no clube que quiserem depois de cumprir seus contratos, o que os iguala a quaisquer trabalhadores brasileiros.
Os que têm menos, entanto, continuarão escravizados pela Lei do Passe.
É claro que, por exemplo, viver sob liberdade condicional é melhor que viver na cadeia, razão pela qual essa meia liberdade dos atletas significa um avanço, ainda mais que atingirá os jogadores com 25 anos em 1998 e os com 24 em 1999.
Pode-se dizer que a resolução assinada por Pelé equivale ao que significou a Lei dos Sexagenários para os escravos.
Mesmo que a Lei Áurea ainda não tenha vindo e seja coisa que, parece, ficará para o século 21, os cartolas reagem.
É evidente que não será preciso argumentar muito para mostrar o acerto, ainda que incompleto, da resolução.
Basta dizer que Eurico Miranda está contra.
Se felizmente não vivemos mais os tempos do maniqueísmo, em certos casos, como esse, é aceitável dizer que o simples fato de Pelé estar de um lado e Miranda de outro já basta para afirmar quem tem razão.
E o que precisa ficar claro é que são raros os cartolas contra a nova ordem por razões, digamos, filosóficas.
A esmagadora maioria está chiando por perceber o quanto a resolução atrapalhará as comissões que recebem na compra e venda de jogadores.
Ou alguém acha que os cartolas que dirigem clubes que têm caixa dois, que devem para Previdência, fraudam os borderôs de arrecadação e promovem evasão de renda estão, sinceramente, preocupados com a saúde financeira das agremiações que exploram?
E será que alguém razoavelmente inteligente acredita que esses mesmos cartolas estejam preocupados com a proteção dos jogadores menos dotados? Será que, de repente, eles foram tomados por jamais demonstradas preocupações sociais?
Não se iluda: a resolução de Pelé tem o mérito de conceder meia liberdade de um lado e de acabar com o paternalismo vigente de outro.

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