São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 1996
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Com terra e sem vergonha

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - O "Atlas Fundiário Brasileiro", divulgado anteontem pelo ministro Raul Jungmann (Política Fundiária), acaba sendo uma espécie de decreto de legitimação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Conclusão de resto óbvia: 62,4% da área dos imóveis rurais brasileiros é improdutiva. Logo, é terra a dar com pau para se promover a reforma agrária, tese pela qual se bate o MST com tanto estardalhaço, alguns exageros e muita incompreensão.
Mais: a concentração da propriedade fundiária no Brasil permanece quase imutável há 56 anos, posto que o "Atlas" compara dados relativos a 1940, 66, 78 e 92.
O que querem os críticos do MST? Que ele espere outros 56 anos ou 112 anos ou, talvez, 156 anos para que o panorama se altere para melhor?
Ou alguém tenta forçar a entrada da questão fundiária na agenda ou ela continuará reproduzindo, em escala ainda mais impressionante, a concentração de riquezas que, no Brasil, tem tinturas obscenas.
O mapa publicado ontem por esta Folha chama a atenção por outro aspecto: em todas as cinco regiões do país, a porcentagem de áreas não-produtivas supera, com folga, a de terras produtivas. Exceto no Sul, onde praticamente empatam.
Manter terras improdutivas para usá-las, obviamente, como reserva de valor é medieval. Não se trata de uma questão ideológica. É pura aritmética.
Fica claro que se pode assentar todas as famílias hoje distribuídas em acampamentos precários pelo país. E ainda sobrará terra (improdutiva) para ninguém botar defeito.
É até possível que o assentamento dos sem-terra não resolva problema algum. Mas é óbvio que manter terras improdutivas quando há quem se diga disposto a trabalhá-las resolve muito menos ainda.
O "Atlas" sugere, claramente, que o problema do Brasil não é falta de terras, mas de vergonha.

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