São Paulo, sábado, 14 de setembro de 1996
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"Aurélio" alternativo tem fala popular

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

A fala dos sertões, veredas, botecos e periferias agora está em um novo dicionário. É o "Aurélio" dos pobres ou analfabetos. Língua popular brasileira na veia.
Discípulos do folclorista Câmara Cascudo, os pesquisadores Téo Azevedo (mineiro) e Assis Ângelo (paraibano) lançaram o "Dicionário Catrumano", com um glossário de mais 3.000 palavras.
Catrumano, um dos verbetes do livro, quer dizer "homem sertanejo de grande valor".
Quem deu o mote para o dicionário foi o mais pop de todos os nordestinos, Luiz Gonzaga: "Lá no meu sertão/Pros cabôco lê/ Tem qui aprender/ Outro abcê".
Com esta música ("ABC do Sertão", de 1953), o cantor e compositor chamava a atenção para a linguagem do sertanejo.
Antes da coleta da dupla Azevedo & Ângelo, outros estudiosos do folclore fizeram versões mais localizadas com expressões regionais de alguns Estados.
No começo do século, 1905, Chermont de Brito já lançava o seu "Glossário Paraense". Em 1953, surgia "O Linguajar Carioca", de Antenor Nascente.
Daí por diante temos exemplos de Pernambuco, Paraíba, Acre etc, como lembra, no seu prefácio interessantíssimo, o pernambucano Mário Souto Maior, autor do respeitado "Dicionário do Palavrão", um best seller no Nordeste.
O livro de Azevedo e Ângelo tem como matriz a fala do sertanejo, tanto o das veredas de Minas como o dos cafundós da Paraíba.
O caráter interestadual ainda é ampliado com centenas de expressões típicas de botecos de cidades como São Paulo, onde os sertanejos, em seus momentos de banzo, reinventam a sintaxe.
Sotaques
O jeito de falar diferente a mesma palavra, com mudanças na sílaba tônica ou apenas a supressão de uma letra, também é registrado no "Dicionário Catrumano".
Em algumas regiões, como parte do Maranhão, por exemplo, a consoante "v", segundo Assis Ângelo, é trocada por um "r".
Por aquelas bandas, a palavra "cerveja" é pronunciada apressadamente com o "r" dobrado e vira algo como "cerreja".
Em quase todo o Nordeste, a palavra "nódoa" se transforma em "noda" e significa "mancha na roupa". Nas quebradas do sertão, diz-se "réi" para dizer "velho".
Uma das boas coisas do livro é recuperar palavras e expressões faladas hoje somente pelos nordestinos mais velhos.
Como usar "rebequista" (originado possivelmente de tocador de rebeca ou rabeca) para definir um rapaz enxerido, galanteador.
Algumas palavras associadas ao erotismo no dicionário mostram uma deliciosa ligação entre a sonoridade e o prazer. "Xen-nhém-nhém" (fazer sexo), por exemplo, é o melhor caso.
Esta palavra serviu de título para um dos melhores livros de poesia do Nordeste, o Xenhenhém, de Ascenso Ferreira, um dos precursores da antropofagia no Brasil.
O pernambucano Ascenso (1895-1965), mestre na arte de usar bem a fala popular nos versos livres, fazia poemas-piada com expressões colhidas nos canaviais, becos e ruas.

Livro: Dicionário Catrumano (131 páginas)
Preço: R$ 13,50

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