São Paulo, sábado, 14 de setembro de 1996
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June Anderson exibe excelência americana

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

June Anderson, 43, não é apenas um dos mais bonitos timbres saídos de conservatórios norte-americanos e uma das vozes, em seu país, mais reconhecidas pela excelência nos palcos europeus.
Ela também é dona de uma visão bastante acurada dos mecanismos empresariais que, por exemplo, impedem a montagem nos Estados Unidos de óperas que, por não serem tão consagradas, deixarão de atrair grande público.
A soprano estará em São Paulo esta semana, com dois recitais no Teatro Municipal. Eis os principais trechos de sua entrevista à Folha.
*
Folha - Os conservatórios nos EUA estão conseguindo, mais do que na Europa, formar excelentes cantores líricos. O que aconteceu?
June Anderson - Eu não estou tão certa de que isso esteja ocorrendo. A única verdade é que, em meu país, há maior diversidade de professores de muitas correntes e escolas de canto.
Talvez seja também porque, sem uma tradição pesada, acabamos por nos esforçar um pouco mais.
Folha - Em seu caso específico, há meio século seria impossível o reconhecimento internacional de uma soprano americana.
Anderson - Mas, no fundo, eu precisei fazer primeiro sucesso na Europa para ser reconhecida nos Estados Unidos. Também na música, ninguém é soberano em sua própria casa.
Folha - Há um novo tipo de público que associa canto lírico a Pavarotti. Ora, a sra. tem sido parceira dele em algumas montagens. Não a incomoda ser apenas "a outra" que canta na mesma cena que ele?
Anderson - É verdade que, cada vez que estou encenando algo com Luciano, as pessoas compram ingresso para ouvir a ele e não a mim. Mas este público acaba por consumir duas vozes, e espero que as pessoas também se lembrem de mim. O que ocorre é que Luciano é uma grande personalidade e ainda hoje uma grande voz.
Folha - A seu ver, Pavarotti está ampliando ou não o público dos espetáculos líricos?
Anderson - A maioria das pessoas que vão ao show de "Os Três Tenores" certamente não frequenta teatros de óperas.
Folha - Se houvesse um outro espetáculo denominado "As Três Sopranos", a sra. faria parte dele?
Anderson - Pois já existe um espetáculo em que canto ao lado de duas outras colegas não tão conhecidas. Mas não atrai tanto público.
Francamente, não há hoje nenhuma soprano com a notoriedade de um Placido Domingo ou de um Pavarotti.
Folha - Uma parcela do público também tem conhecido a ópera por meio da televisão. Em sua agenda, espetáculos para TV são apenas ocasionais?
Anderson - É algo que eu faço ocasionalmente, mas é também algo que se torna muito importante, porque numa única transmissão é possível atingir mais gente do que anos seguidos de teatro.
Folha - A seu ver, o público de ópera nos Estados Unidos está crescendo ou está diminuindo?
Anderson - Aparentemente, está crescendo. Na Europa está ocorrendo o mesmo.
Folha - De que maneira os cortes de subsídios (verbas federais) podem afetar a ópera nos EUA?
Anderson - Os subsídios sempre foram secundários no orçamento de uma montagem entre nós. O grosso das verbas se origina da iniciativa privada.
Os norte-americanos foram sempre mais "conservadores" do que os europeus, simplesmente pelo fato de precisarem ficar sempre de olho no orçamento.
Folha - Isso não bate também no conservadorismo do repertório?
Anderson - Com certeza. É impossível montar uma obra sem patrocinadores e para a qual o público não comprará ingressos.
Folha - Então, o público nos Estados Unidos teria menos opção, porque se limitaria a Mozart e aos italianos do século 19?
Anderson - Já seria bom se assim o fosse, porque óperas italianas menos conhecidas do século 19 são dificilmente encenadas.
Folha - Caso a sra. pudesse escolher, ficaria com o modelo privado de produção americano ou com o modelo governamental europeu?
Anderson - É difícil responder. A ópera em que eu mais gosto de atuar é uma norte-americana, a de Chicago. Mesmo assim, aprendi muito mais em teatros europeus.
Preciso ir à Europa para encenar alguns papéis de Rossini e de Verdi que os americanos não querem correr o risco de montar.
Folha - Maria Callas perdeu a voz com uma idade próxima à sua. Não tem medo que isso lhe aconteça?
Anderson - Minha carreira tem sido diferente da dela. Acredito que ela não perdeu propriamente a voz, perdeu a autoconfiança, num período muito agitado de sua vida.
Quanto à possibilidade de um dia eu não ter mais minha voz, acho que pararei de cantar antes que isso aconteça.
Folha - Poucas sopranos tiveram tanta sorte quanto a sua ao trabalharem com excelentes maestros. Qual deles foi seu grande mestre?
Anderson - Sem dúvida alguma foi Leonard Bernstein. Ele foi um gênio, e para mim foi maravilhoso gravar a música que ele próprio compôs. Imagine se eu tivesse sido dirigida por Rossini ou Verdi?
Pois tive o privilégio de fazer "Candide", dirigida por ele.

Recital: June Anderson (soprano) e Jeff Cohen (piano)
Série: Patronos do Teatro Municipal e Concertos Hebraica/Banco de Boston
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nº, tel. 222-8698)
Quando: terça e quinta-feira, às 21h
Ingressos: de R$ 5,00 a R$ 80,00

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