São Paulo, sábado, 14 de setembro de 1996
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Um chefe

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Não será fácil o julgamento histórico do general Ernesto Geisel. Dos militares que em rodízio ocuparam a Presidência da República nos 21 anos de regime autoritário, ele foi o mais complexo e, sem dúvida, o mais importante.
Encarnou com perfeição aquela balela que volta e meia provoca suspiros ditatoriais nos democratas mais espalhafatosos: um bom ditador é preferível a um medíocre mandatário do voto popular. Geisel foi virtuoso no trato do dinheiro público e na conduta de sua vida pessoal.
Exerceu com austeridade um poder imperial e com ele deu estocadas no cravo e na ferradura. Iniciou o processo de abertura dentro de regras próprias e teve autoridade dentro e fora das casernas para impô-la até o fim de seu mandato.
Cometeu as violências que julgou indispensáveis a esse mesmo processo (o Pacote de Abril, por exemplo), mas agiu e reagiu com firmeza nos casos mais notórios de tortura e de golpe (casos Vladimir Herzog e Silvio Frota).
Com ele na Presidência, é uma suposição cabível, o caso da bomba no Riocentro teria tido outra solução, menos constrangedora para o regime militar.
Nacionalista ferrenho, venceu resistências pessoais e caras à sua formação prussiana. Abriu os contratos de risco -e contra a própria vontade deu início ao desmonte do sistema jacobino nascido nos anos 40 e 50. Numa avaliação comprometida pela falta de perspectiva maior, Geisel tem saldo favorável.
Confiado em sua agressiva vestalidade, ele teve a coragem de deixar a Presidência e aceitar empregos de cúpula em empresas que de certa forma dependem da logística federal. Em outros países, a prática é normal, no Brasil, é temerária. De qualquer forma, sabia-se do que ele vivia e quanto ganhava.
Não foi popular -aliás, nenhum dos militares que ocuparam a Presidência teve apoio ou carinho do povo. Para o bem ou para mal, soube ser um chefe.

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