São Paulo, segunda-feira, 16 de setembro de 1996
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Carrière quer 'tomar um choque' no Brasil

ALEX RIBEIRO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O roteirista Jean-Claude Carrière chegou sábado a Brasília, onde permanece até o próximo dia 20 a fim de ministrar uma oficina para jovens cineastas.
Carrière tornou-se conhecido por sua parceria com o diretor espanhol Luis Buñuel. São dele os roteiros dos filmes "A Bela da Tarde" (1967) e "O Discreto Charme da Burguesia" (1972).
Trabalhou ainda com Louis Malle ("Viva Maria", 1965), Volker Schlondorff ("O Tambor", 1979) e Phillip Kaufman ("A Insustentável Leveza do Ser", 1988).
"Quero tomar um choque dos jovens cineastas brasileiros", disse Carriére, que selecionou pessoalmente os 20 participantes da oficina no Brasil.
Entre eles, estão os cineastas Carla Camurati, Denise Bandeira, Marcos Mendes e José Resende Jr.
Carrière está no Brasil a convite da Fundação Nacional de Arte de Brasília, da Secretaria de Cultura e Esporte do DF e da Universidade de Brasília.
Em seu primeiro dia em Brasília, o roteirista falou sobre sua experiência com Buñuel e procurou explicar o que é um bom roteiro.
*
CINEMA DE AUTOR - "Sou da época de François Truffaut, do cinema de autor. É uma geração que disse que os roteiristas não tinham um papel importante, que o diretor era o dono da obra. Muitos roteiristas clássicos sofreram.
Consegui atravessar essa fase e descobri que o papel do roteirista é escrever o filme que o diretor gostaria de fazer. Não se trata de uma guerra entre roteirista e diretor, mas de uma história de amor. É necessário esquecer o ego em benefício do filme."

BUÑUEL - "Quando o conheci, em 1963, eu tinha 32 anos e ele, 63. Estava tão impressionado com sua figura imensa que tinha a tendência de dizer 'sim' a tudo.
Depois de uma semana de trabalho, nosso produtor me convidou para jantar. Ele disse que Buñuel estava muito contente em trabalhar comigo, mas que eu precisava dizer 'não'. Pouco a pouco, fui aprendendo a dizer 'não'. Depois, soube que o próprio Buñuel havia mandado o recado."

"METROPOLIS" - "Tinha no máximo dez anos quando vi 'Metropolis' (filme do cineasta alemão Fritz Lang). Minha primeira impressão foi de medo. Era aterrorizante. Passava a idéia de que cada mulher é uma mulher de ferro.
Vi o filme muitas vezes depois. O seu aspecto fantástico me impressionou muito. A força de 'Metropolis' é como a força de 'Tempos Modernos', de Charles Chaplin. É uma alegoria real. É o que sempre estamos buscando: uma história imaginária, quase impossível, mas que poderia acontecer. Coisas que poderiam acontecer são muito mais fortes do que as que realmente acontecem."

ROTEIRO - "O roteiro é uma forma transitória, um ponto de partida. O bom roteiro é o que resulta em um bom filme. É como a relação entre o lagarto e a borboleta. O lagarto tem todos elementos da borboleta, mas não voa."

SURREALISMO - "No século 19, quando a sociedade burguesa se instalava, tudo tinha que ser totalmente organizado, incluindo as regras dramáticas. Havia um número limitado de situações dramáticas. Quando veio o surrealismo, tudo explodiu. O número de situações dramáticas tornou-se ilimitado. Pode-se tomar uma chave e um sapato e inventar uma história a partir desses dois objetos."

DESCOBERTA DO CINEMA - "Descobri o cinema como menino, aos seis ou sete anos. No final dos anos 30, os filmes americanos eram totalmente proibidos na Europa. Podia-se ver apenas os alemães e os franceses. Quando tinha 14 anos, no final da guerra, aconteceu a primeira invasão do cinema americano. Nós a recebemos com uma paixão, um entusiasmo geral. Acho que meu desejo de fazer cinema nasceu desse impacto."

OFICINA - "Sei que há um renascimento do cinema brasileiro. Daqui a oito dias vou poder falar com mais tranquilidade sobre isso. Quero tomar um choque dos jovens cineastas brasileiros.
Vão aparecer histórias fantásticas e vou aprender muito sobre o Brasil. Minha grande esperança é que dessa semana de convívio surjam dois ou três grandes filmes brasileiros."

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