São Paulo, segunda-feira, 16 de setembro de 1996
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Fernando e a Vale

DARCY RIBEIRO

Por que FHC quer vender a Vale? Quer mesmo, se não quisesse, ninguém ousaria um malfeito desses. Antonio Ermírio, nesta mesma coluna, expressou, com seu saber de meditação e de experiências-feito, sua perplexidade com a privatização, inexplicável por qualquer motivo razoável.
Os tecnocratas bisonhos de FHC, que nunca fizeram nem farão nada, se esganiçam nessa privatização por razões doutrinárias do economês do dia. E também, naturalmente, por subserviência à ideologia que o Colosso prega para nós, mas não aplica a si mesmo.
Imensos interesses há atrás disso. Não digo que os tecnocratas querem seu bocado, mas digo que eles servem aos que querem comer a Vale.
Três razões podiam levar Fernando a repensar essa matéria. Há no mundo alguma empresa mais eficaz e exitosa que a Vale? Há alguma melhor administrada e tecnologicamente mais avançada?
Há patrimônio real, concreto, e patrimônio virtual, realizável, maior que o da Vale, no campo da mineração? Há, finalmente -para impor uma quarta razão a Fernando-, empresa que melhor trate seus tantíssimos servidores?
A Vale é tida como o filé mignon das empresas que o Brasil está doando. Creio que o mais atrativo dela é o direito de domínio e de exploração sobre imensuráveis jazidas de ferro, de cobre, de níquel, de ouro e de outros minérios. A Vale os vem explorando quase sempre associada a empresas estrangeiras, mas das formas mais convenientes para o Brasil.
É nessa montanha de minérios, que valem não se sabe quanto -certamente mais que US$ 2 trilhões-, que especuladores do mundo inteiro têm os olhos postos. Mas não subestime o patrimônio vivo e ativo da Vale, que é muito maior que qualquer empresa do gênero.
Dei algumas vezes com a Vale na minha vida pública. O primeiro foi no governo Goulart, quando o Supremo Tribunal Federal anulou a chicana por meio da qual a Hanna Corporation havia se apropriado de todo o ferro de Minas Gerais.
Foi nessa restauração da propriedade pública que a Vale se assentou e progrediu. Depois foi durante a ditadura militar, quando o governo declarou que as debêntures resultantes de empréstimos que estavam em mãos privadas passassem a ser ações com direito a voto. Uma negociata colossal.
Em consequência dela, já são privadas 49% das ações da Vale. O poder público detém 51%. Isso significa que todas as manobras feitas para privatizar a Vale, inclusive pagando consultorias de milhões de dólares, visam tão-somente assegurar a um bando de acionistas o domínio da empresa. Um engodo.
Tudo isso me dói e me espanta. Serei mesmo um caipira, provinciano e idiota, apegado a noções de pátria e de interesse nacional, que ficaram totalmente obsoletas? Não! Eles são treiteiros. Cuidado, Fernando. Querem enganar a você e a nós todos.

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