São Paulo, terça-feira, 17 de setembro de 1996
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Guerra fiscal ou liberdade de escolha?

LUÍS PAULO ROSENBERG

A brilhante conquista da desoneração de exportações e investimentos, alcançada pela aprovação do projeto de lei de Kandir na semana passada, quase foi inviabilizada pela celeuma provocada pela inclusão extemporânea de um artigo que bloqueava a guerra fiscal entre Estados.
Guerra fiscal é a designação bombástica que se convencionou para a disputa entre Estados. Desejosos de atrair empregos, concedem isenções de impostos e concessão de créditos a potenciais investidores privados que os escolham como sede de suas empresas.
Mais recentemente, o Ipea -órgão de pesquisa da Secretaria do Planejamento- divulgou estudo em que a guerra fiscal é também responsabilizada pela crise financeira em que se encontram os Estados brasileiros e que conclui que as isenções entre os Estados se anulam, só restando a predatória perda de arrecadação para todos os envolvidos.
Que tal objetivar o debate, trocando o pejorativo "guerra fiscal" por "programa de privatização da geração de emprego"?
Realmente, parece perfeitamente legítimo que um governador conclua ser mais vantajoso para seus conterrâneos a criação de, digamos, 30 mil empregos por meio da renúncia fiscal de alguns milhares de reais do que utilizar o mesmo montante construindo estradas cujo benefício social seja menor que o valor do emprego gerado pela renúncia.
Na verdade, se levarmos em conta a baixa eficiência do investimento realizado pelos governadores (sem falar naqueles que pagam por um quilômetro de rodovia o que alhures custaria dois terços menos), consideraria um ato de sabedoria um governador que preferisse privatizar estradas, portos, serviços de água e outros, transferindo assim a incumbência de prover a infra-estrutura básica ao setor privado e que concentrasse suas atenções na concessão de incentivos a projetos empresariais que melhor amplifiquem a potencialidade de crescimento de suas regiões.
Além de legítima, a busca por investimentos não pode ser vista como predatória. Ainda que o resultado final fosse uma redução geral de arrecadação de impostos, o investimento privado global em todos os Estados teria sido maior, pois tudo se passaria como se houvesse ocorrido uma redução no "custo Brasil" de se investir em indústrias, aumentando o emprego e a produtividade do nosso parque produtivo.
Quanto aos apuros fiscais em que se meteram alguns dos nossos governadores do passado, culpar a guerra fiscal é forçar a mão. Há que comparar a perda de arrecadação gerada pela concessão a uma indústria atraída com todo o ganho futuro de arrecadação, direta e indireta, que tal decisão propiciará, algo tão difícil de projetar que pode estar além da capacidade do nosso instrumental econométrico.
Ademais, é sabido que os déficits colossais gerados só foram possíveis pela existência de esquemas heterodoxos de financiamento criados por governadores, em que o destaque é o uso até a quebra de seus bancos estatais.
Impondo-se rígidos limites à capacidade de endividamento dos Estados, o perigo do gasto excessivo fica contido. Querer ainda interferir com a forma como eles gastam suas receitas ou aceitam renúncias de tributos é esticar demais a corda da federação.
Desperdício era a prática comum nos tempos dos governos militares e sua doutrina de Brasil Grande de se destinar fundos para construir pistas de Fórmula 1 ou gigantescos estádios de futebol, em que a capacidade reprodutiva da população até hoje foi incapaz de parir cidadãos em números suficiente para lotá-los.
Buscar agressivamente atrair indústrias para as quais a região revele uma vocação latente é um direito legítimo de qualquer governador. Afinal, vantagens comparativas são intrinsecamente cambiantes no tempo.
O crescimento da criminalidade, o congestionamento urbano e a radicalização de sindicatos podem transformar o pólo imbatível de atração de ontem num foco de expulsão empresarial.
O comportamento da indústria têxtil paulista que se desloca para o Ceará é uma boa ilustração desse ponto. Enquanto o governador Tasso Jereissatti oferecia vantagens fiscais, treinamento de mão-de-obra, infra-estrutura montada e conquistava investimentos do grupo Vicunha, o governador paulista batalhava para manter o Banespa em suas mãos: qual dos dois estava com suas prioridades trocadas?

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