São Paulo, terça-feira, 17 de setembro de 1996
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Oh my God, elas não falam português

ALOYSIO BIONDI

A deflação, isto é, a taxa de inflação negativa ou abaixo de zero, está aí. Prontamente, os economistas do governo negam que ela seja produto da recessão. Como vêm fazendo há dois anos, arrumam explicações otimistas para o fenômeno. Em português? Não. Apelam para uma linguagem empolada, misto de economês com palavras maltraduzidas do inglês, seu idioma adotivo.
Segundo eles, a queda da inflação abaixo de zero se deve à "convergência dos preços de serviços rumo a índices de reajustes mais baixos". Que diabos vem a ser isso?
É simples: todo mundo sabe que, no primeiro momento do Real, houve aumentos excessivos nos preços de serviços (de domésticas a médicos, de escolas a pedreiros etc.). Agora, diz Brasília, eles estão subindo a um ritmo menor, ou mesmo sofrendo queda, isto é, sua alta "converge" para o nível exibido anteriormente por outros setores.
Basta um único dado para demonstrar que a tal da "convergência" é outra invencionice.
Na primeira semana de setembro, o índice de preços nas lojas de São Paulo, calculado pela Associação Comercial, caiu 1,7%. Atenção: houve cortes de preços, deflação, em todos os setores. Sem exceção: vestuário, farmácias, supermercados etc. Deflação, mesmo.
Razão desse corte de preços? Segundo a equipe FHC e acólitos, as empresas estão vendendo mais barato porque "aumentaram a produtividade, ganharam eficiência graças à estabilidade da economia e à abertura de mercado". A realidade? As empresas estão cortando preços, trabalham com prejuízos, porque não conseguem vender.
O linguajar otimista da equipe FHC está encobrindo aberrações e problemas da economia. Toda a sociedade é sacrificada quando seus governantes não falam português, como mostram os exemplos que vêm a seguir.
Mais juros
Há poucos dias, o Banco Central vendeu títulos, comprados pelos bancos, para vencimento daqui a 12 meses. Segundo a equipe, a aceitação desse prazo longo "é uma prova de confiança", por parte dos bancos, na estabilidade da moeda. Na verdade, mais uma "pepineira" para os bancos.
Os juros foram "fixos" (ou prefixados). Quase 2% ao mês durante um ano -num momento em que a inflação despenca. Alto negócio para os bancos. O contribuinte paga.
Outro rombo
O governo anunciou "novos incentivos" para a exportação. Na verdade, permitiu que empresas e bancos que fizeram contratos "frios", para tomar empréstimos a juros baixíssimos lá fora, procurassem novos empréstimos para tentar cobrir o rombo.
E novas brechas foram abertas para os fraudadores, como a possibilidade de "vender" os contratos a terceiros, "rachando" eventuais lucros com a diferença entre os juros externos e os daqui.
Rombo, mesmo
Os empréstimos com os contratos "frios" de exportação foram usados também para jogadas especulativas nas bolsas de mercadorias. Houve empresas que sofreram prejuízos, envolvendo também os bancos.
Enfrentam um "rombo". A prova? O governo autorizou esses fraudadores a tomar empréstimos novos com 200% do valor do antigo. Claro: metade para quitar a dívida, metade para tentar cobrir os prejuízos.
Poupança
A poupança perde depósitos. Explicação oficial: a culpa é do baixo rendimento. O investidor está buscando outros tipos de aplicação.
Não há, em resumo, empobrecimento da população, trazida pela recessão. No entanto, em agosto, pelo segundo mês consecutivo, também os fundos de renda fixa perderam aplicações. Até a classe média está desinvestindo.

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