São Paulo, quarta-feira, 18 de setembro de 1996
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Crescimento: a redescoberta das políticas

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Nos mais diferentes contextos vai, aos poucos, ressurgindo a preocupação com o crescimento econômico. É natural que assim seja. Afinal, ainda quando o quadro fiscal continue a inspirar grandes cuidados, a evolução recente dos preços tem sido bastante satisfatória.
Mas a inquietação com o crescimento -e, mais ainda, com a formulação de "políticas" de crescimento- deve surpreender a muitos. Afinal, porque não se passa da estabilização dos preços para o crescimento como quem levanta e caminha?
A questão pode ser vista de vários ângulos.
Numerosas empresas estão engajadas num intenso processo de reestruturação, visando reposicionar-se diante de um mercado agora aberto e estável.
Ninguém sabe, contudo, qual o rebatimento desse conjunto de decisões -individualmente tomadas- na economia como um todo. Durante algum tempo, foi possível ignorar as dificuldades (possivelmente) daí advindas. De alguma maneira, supunha-se, o mercado se encarregaria de harmonizar as respostas dadas pelas empresas.
Aos poucos, no entanto, foram surgindo evidências de que as coisas poderiam complicar-se.
A dispensa de trabalhadores decidida empresa por empresa -além de poder revelar-se social e politicamente intolerável- pode avolumar-se a ponto de dificultar o crescimento.
A contenção dos gastos por receio do desemprego e o aumento das taxas de inadimplência -levando o sistema de crédito a uma atitude de retranca- são, aqui, concretíssimas possibilidades.
De igual maneira, o incremento das importações -decidido, mais uma vez, empresa a empresa-, não acompanhado de uma grande disposição à luta pela penetração em mercados externos, pode provocar (ou mesmo ameaçar provocar) problemas do ponto de vista de balanço de pagamentos.
Em ambos os casos, deixa de ser realista supor que a mão invisível do mercado conduza a economia, surda e suavemente, da estabilidade ao crescimento.
Um outro ângulo de análise refere-se às decisões espontaneamente tomadas por indivíduos e famílias.
Indiscutivelmente, em meio ao turbilionário quadro a que estivemos longamente submetidos, o consumo manteve-se severamente contido. Quando mais não fosse, pela quase extinção do crédito a ele voltado.
Posto isso, o tombo inicial da inflação fez-se acompanhar de um fortíssimo movimento de aumento do consumo e, muito particularmente, da recomposição dos estoques de duráveis.
Com o consumo crescendo largamente à frente da produção, a poupança interna não pode senão retrair-se (proporcionalmente). A contrapartida disso é o aumento acelerado do déficit de transações correntes, equivalente contábil da poupança externa.
Como, por diferentes razões, veio a estabelecer-se a crença de que a poupança externa não deve exceder um limite de 3% do PIB, ficou claramente colocada uma difícil questão.
Para que a taxa de investimentos se eleve -viabilizando a efetiva retomada do crescimento-, é preciso, de alguma maneira, incrementar a formação de poupança interna. Estamos aqui, mais uma vez, diante de um item clássico das agendas de política de crescimento.
Finalmente, vai também sendo (re)descoberto que a economia brasileira contém estruturas nascidas e cristalizadas ao longo de décadas.
E não se trata apenas da conformação singular das atividades econômicas. Refiro-me, por exemplo, às infraestruturas de transportes, energia e, num outro plano, à própria configuração espacial ou regional da economia.
Com toda a certeza, essas estruturas têm características muito diversas das que teriam se se soubesse, de antemão, que a economia seria submetida às reformas (e aí, destacadamente, a abertura) hoje em curso.
Será que alguém sinceramente crê que essas estruturas espontaneamente se dissolvem e se remodelam, uma vez revelados os novos sinais (preços) de mercado? E, sem que a readequação se verifique, não estará seriamente comprometido o crescimento?
O mínimo que se pode dizer a esse respeito é que a explicitação de novas estratégias de crescimento é indispensável para que as decisões singulares de investimento adquiram o igualmente indispensável horizonte de longo prazo.
E, como nesses campos as transformações tendem a ser lentas e a enfrentar grandes resistências, é preciso também compensar desvantagens, arbitrar prejuízos etc. -o que pode ser bastante facilitado por uma antevisão minimamente definida do futuro que se busca alcançar.
Por todas essas razões, é desejável que se reconheça que a alternativa a ter política de crescimento não é não tê-la.
É ter políticas envergonhadas e incoerentes. É ser simultaneamente neoliberal, ao enfatizar obsessivamente supostos erros de política e omitir os de mercado; neoprotecionista, por não resistir a determinadas pressões; e neopromotor, pela mesma razão e por implicitamente admitir que há atividades mais importantes que outras.
Esse conjunto de posturas "neo-alguma-coisa" não forma um todo coerente e facilmente defensável. Não gera segurança, ânimo empresarial e convergência das decisões de investimento. Implica, portanto, o desperdício de oportunidades.
No limite, dados os prejuízos infligidos ao estado das expectativas e o custo dos favores, pode mesmo pôr em risco a própria estabilidade.

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