São Paulo, quarta-feira, 18 de setembro de 1996 |
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Modelo britânico: espelho ou armadilha?
STEVE THOMAS; MAURICIO T. TOLMASQUIM STEVE THOMAS e MAURICIO T. TOLMASQUIMA ameaça de falta de energia elétrica no Brasil e a necessidade de reduzir a dívida interna estão sendo utilizados como instrumentos para acelerar o processo de privatização do setor elétrico brasileiro. Mas será inteligente tomar decisões apressadas sobre a estrutura do setor com o intuito de resolver problemas conjunturais, decisões essas que podem ser negativas para o país a longo prazo? Existem diversas pessoas que advogam a adoção do "modelo britânico" pelo Brasil, ou um modelo baseado em princípios parecidos. Contudo, elas negligenciam as grandes diferenças que existem entre a situação do Brasil e a da Grã-Bretanha. Fora a óbvia diferença da base de recursos, o sistema britânico já estava completo e maduro, a demanda crescia bem lentamente, as redes de alta e baixa voltagem eram modernas e completas e todos os consumidores tinham acesso ao fornecimento de eletricidade. A reforma britânica previa que o acesso à rede deveria ser viável a todos os consumidores e produtores, por intermédio de um preço fixado por um regulador independente. Geração e comercialização deveriam ser transformados em mercados competitivos. Contudo, em grande parte por razões práticas, esse modelo ideal não foi atingido ainda. O mercado de geração é controlado por apenas duas companhias. Além disso, as empresas que fornecem eletricidade para os consumidores estão atadas a contratos com duas empresas de geração até 1998, gerando reflexos nos preços. Se a geração for genuinamente competitiva, como será possível financiar uma usina que pode custar mais de R$ 1 bilhão num contexto em que ela terá de competir a cada dia de sua vida para ser utilizada? O que levará as empresas a competir na comercialização? Em uma conta residencial de energia elétrica, o lucro que cabe à companhia que comercializa eletricidade é de apenas algumas dezenas de reais. Mas o custo de competir por novos consumidores, propaganda, descontos, novos medidores etc. é várias vezes superior. O pior, do ponto de vista brasileiro, em adotar o modelo britânico é a ausência de mecanismos para balancear a oferta e a demanda. Uma empresa de geração somente irá construir novas usinas se esperar que elas sejam lucrativas. Se houver um blecaute devido à falta de investimentos, ninguém poderá ser acusado. Até e a menos que essas questões sejam respondidas, adotar o modelo britânico ainda não provado será um grave risco. A experiência de regular a indústria não é muito melhor. Tem sido fácil para as empresas obter elevados lucros. A partir de 1995, quando o governo perdeu o poder de intervir, restringindo a compra de empresas distribuidoras por meio da Golden Share, várias das distribuidoras têm sido adquiridas por empresas estrangeiras, que têm para com seus acionistas nos países de origem a obrigação de remeter o máximo de lucro possível. Existem duas lições principais para o Brasil dessa experiência. Primeiro, um modelo desverticalizado está longe de estar aprovado na Grã-Bretanha, muito menos em um país no qual a prioridade são os investimentos para atender a uma demanda crescente. Segundo, a regulação de monopólios, principalmente pertencentes a empresas estrangeiras, garantindo que os lucros não sejam excessivos e que o nível do serviço seja bom, é uma tarefa que, mesmo em um país desenvolvido e com longa tradição de funcionamento das instituições jurídicas, não tem se mostrado infalível. Se o Brasil enfrentar uma ameaça de falta de energia, capitais privados poderão ser utilizados de diferentes formas, sem exigir adoção de modelos ainda não-aprovados. O capital privado deveria ser direcionado para novos projetos de geração, os quais podem obter frutos rapidamente, tais como co-geração e turbinas a gás para atender picos de demanda, ou na conclusão de dar. Ao mesmo tempo, seria necessário aumentar a eficiência das empresas brasileiras -algumas das quais já são boas, atendendo a padrões internacionais. Se desverticalização e privatização se mostrarem o caminho para o futuro, esses esforços serão premiados com um bom preço de venda; caso contrário, o país terá um setor elétrico mais eficiente. Se o governo quer realmente alavancar recursos com a venda das empresas elétricas, ele deveria antes tentar evitar o que aconteceu com a Grã-Bretanha. Na Grã-Bretanha, cerca de 15 bilhões de libras foram levantados com a venda do setor elétrico, o qual tinha sido avaliado em mais de 40 bilhões de libras pela contabilidade das empresas. Desde então, o valor das ações das companhias tem crescido e atingido o valor original. O governo obteve algum dinheiro, mas os novos proprietários obtiveram muito mais. Steve Thomas, 40, economista, é pesquisador do Centro de Pesquisa em Ciências Políticas (Inglaterra). Mauricio T. Tolmasquim, 37, doutor em economia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris, França), é professor-adjunto do Programa de Planejamento Energético da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Texto Anterior: Crescimento: a redescoberta das políticas Próximo Texto: Ações tecnológicas voltam a brilhar Índice |
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