São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 1996
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Mercado mais crítico

CELSO PINTO

Ficou mais crítica a avaliação sobre o Brasil no mercado internacional nos últimos meses. Não se trata de um surto de mau-humor de um banqueiro aqui, ou um funcionário do FMI ali. Mudou a percepção, e a bola está com o Brasil.
Pode parecer estranho fazer essa afirmação, num momento em que a entrada de investimentos diretos bate recorde e o mercado continua receptivo aos papéis brasileiros. Na verdade, bastante receptivo.
A Petrobrás está montando uma operação de US$ 250 milhões em eurobônus por um prazo de dez anos, inédito para o Brasil, e com uma ótima taxa de risco, pelos comentários de mercado: 2,8 pontos percentuais acima do título do Tesouro americano. A operação seguiria um lançamento da Telesp, com garantia da Telebrás, de US$ 310 milhões em recebíveis, com prazo de oito anos.
A contradição é aparente. Armínio Fraga, ex-diretor do Banco Central, hoje administrador de um fundo de George Soros em Nova York, concorda que os analistas ficaram mais céticos em relação ao Brasil. Em parte, sugere, por cautela: como a maioria apostava no México até a véspera da crise de 94, não querem repetir o erro, agora, com o Brasil.
Isso não afetou, por enquanto, o mercado de eurobônus ou de títulos da dívida brasileira. Uma razão, supõe Fraga, é a enorme liquidez que existe hoje no mercado internacional, beneficiando os países emergentes em geral. Além disso, continua a tendência dos últimos anos, de os mercados emergentes atraírem novos investidores institucionais.
Também é verdade, contudo, que alguns investidores têm reduzido suas posições em Brasil, especialmente em favor do México, que tem mostrado uma surpreendente capacidade de recuperação. Fraga identifica alguma saída de aplicadores em ações de segunda linha, em função do receio de que as restrições fiscais e externas impeçam uma retomada mais forte do crescimento. Outro grupo que se retraiu foram investidores em renda fixa de curto prazo no Brasil: a queda recente dos juros estreitou muito a margem de lucro.
Fraga é insuspeito ao falar do maior ceticismo dos analistas, porque se tem alinhado na banda mais otimista: escreveu um artigo recente para a revista "International Economy", tentando provar porque o Brasil não repetirá o México. De onde vem o ceticismo?
As críticas convergem em relação à ausência de uma política fiscal consistente que, ao eliminar o déficit do governo, abra espaço para um aumento na poupança interna e um maior crescimento. Sem o ajuste, a aceleração da economia acaba levando a um desequilíbrio nas contas externas. Além disso, os juros precisam ficar altos demais, o que aumenta o risco bancário e o custo da estabilização.
Essa tem sido a linha de análise vinda do FMI e do Banco Mundial, refletindo um ceticismo, também, do governo americano: o risco de colapso não é iminente, mas a direção é suicida a médio prazo. Esse mesmo tipo de percepção tem se tornado mais frequente entre analistas de instituições financeiras internacionais, até mesmo entre aqueles que, há seis meses, transbordavam otimismo.
Um exemplo de ceticismo vem de um administrador de fundos americano, da Costa Oeste, que passa o ano visitando cerca de 40 países onde investe, inclusive o Brasil. "O Brasil não vai enganar os mercados outra vez", diz ele. "Prometer as reformas estruturais apenas para o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso não é o bastante."
Ele acha que o Brasil foi supervalorizado neste último ano e meio, em parte porque México, Argentina e alguns países asiáticos estavam em má situação. Hoje, o quadro mudou.
Todos concordam que o presidente perdeu o melhor momento para fazer as reformas, no início de seu mandato. E há uma ampla desconfiança de que a busca pela reeleição possa comprometer o esforço de ajuste fiscal.
O governo conhece essas avaliações e tem consciência de que, se houver um revés externo, como um agravamento da crise argentina, o Brasil ficaria vulnerável. Conta com três trunfos: a retomada das reformas e um pacote de ajuste até o final do ano, uma privatização mais agressiva e uma eventual aprovação da reeleição. Seria o bastante para virar o jogo, mas não basta ficar nas promessas.

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