São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 1996
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Múltiplas escolhas

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Eram comuns, em tempos parnasianos, os manifestos à nação. Nos jornais, nos muros da cidade, encimados pelo título em negrito, alguém declarava que a pátria estava perdida quando, quem estava perdido, era ele.
Ainda resistem esses manifestos, mas tornam-se raros. Como aquele ministro da Justiça, nada mais há a declarar. Ou melhor, muito há a declarar, desde que nada se declare realmente.
A vida pública nacional desenvolve-se em três níveis. A parte visível do poder articula o próprio poder, e como poder por pouco tempo é não poder, poder muito é ficar mais tempo no poder. Essa a prioridade principal, para não dizer única, do grupo que está exposto à mídia e ao povo.
O segundo nível inclui gente de segundo escalão, palpiteiros de diversos tamanhos e feitios, conselheiros disso ou daquilo, informantes e pesquisadores.
A função desse grupo é reduzir problemas e soluções a múltiplas escolhas, como nos exames de admissão: quem descobriu o Brasil? Tiririca? Pedro Álvares Cabral? Caetano Veloso? A turma de cima decide.
O terceiro nível é a besta de carga que leva os processos de um arquivo para outro, providencia papel, lápis e água gelada para as reuniões dos níveis um e dois. Eventualmente, alguém do grupo é demitido por incúria e improbidade, conforme a última denúncia da mídia.
Com esse esquema aceito e azeitado pelos interessados, corre um frio na espinha de qualquer político responsável ao ter de declarar qualquer coisa. A fórmula do ex-ministro Armando falcão virou galhofa, nem por isso deixou de ser uma necessidade operacional do poder.
Somente que, ao contrário de Falcão, todos falam, até demais. Tirante uma ou outra insinuação dos mais truculentos, os grupos dominantes limitam-se ao óbvio. Exemplo: a exuberante firmeza com que FHC decretou luto oficial pela morte de Geisel.

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