São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996
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A confusão sobre o ICMS

MAILSON DA NÓBREGA

O ICMS, atual denominação do antigo ICM, vai completar 30 anos em janeiro próximo. Apesar disso, ainda prevalece entre nós uma enorme confusão conceitual e sobre o funcionamento do tributo.
O Brasil foi um dos pioneiros na tributação do consumo com base no Imposto sobre o Valor Agregado (IVA).
Inauguramos o método na América Latina, embora a Colômbia já tivesse algo parecido. Precedemos a maioria dos países europeus.
Adotado hoje por mais de 70 países, o IVA, em suas diversas variantes, é um tributo não-cumulativo: não incide sobre ele mesmo nas diversas etapas do processo produtivo, ao contrário dos impostos em cascata, como a Cofins, o PIS/Pasep e a nova CPMF.
O IVA torna difícil a sonegação. Por necessitar do comprovante do crédito na etapa anterior, cada empresa é um agente da fiscalização, exigindo a nota fiscal de seu fornecedor. Sonegar exige a prática de crime em toda a cadeia produtiva.
O IVA permite desonerar as exportações sem a necessidade de controles existentes no imposto sobre as vendas finais, como no caso do "sale tax", que vai desaparecendo no mundo inteiro e tende a remanescer apenas nos EUA.
Aqui, a maior confusão conceitual estava nas exportações. A idéia, dos anos 60, da inconveniência de exportar produtos primários acabou prevalecendo para tudo.
Os Estados conseguiram tributar os semi-elaborados em 1988 e não admitiam que a desoneração seria compensada mais tarde, com a expansão da atividade doméstica.
Por causa dessa confusão, houve quem rotulasse de subsídio às exportações a recente desoneração do ICMS. Na realidade, eliminou-se a dupla tributação de produtos exportáveis, que pagavam impostos aqui e no país onde eram consumidos.
A desoneração foi um passo gigantesco, tanto sob o aspecto conceitual quanto dos seus efeitos na economia. Fica faltando entender que o ICMS é pago pelo consumidor e não pela empresa, que é apenas responsável pelo recolhimento do tributo.
Quando isso acontecer, outros equívocos poderão ser sanados, com novos benefícios para a gestão do tributo e para a economia. Os mais evidentes agora são a isenção do ICMS para microempresas e o seu uso para atrair investimentos.
As microempresas precisam ter tratamento diferenciado. Deve-se isentá-las de impostos diretos e de certas obrigações tributárias acessórias, mas livrá-las do ICMS, pago pelo consumidor, equivale a concorrência desleal e apropriação indébita sob patrocínio do Estado.
Na questão dos investimentos, a confusão é maior. Uns acham que os incentivos do ICMS constituem forma legítima de disputar indústrias. Outros julgam que isso é guerra fiscal reprovável. Essas visões extremas são incorretas.
Oferecer vantagens para a instalação de indústrias é normal. Basta ver o que ocorre nos EUA. Não se vê, entretanto, nenhum país sério isentando impostos sobre o consumo com esse objetivo.
O correto é utilizar impostos diretos incidentes sobre a renda ou o patrimônio da empresa e reduzir o custo do investimento mediante ações como a oferta gratuita de terrenos e de infra-estrutura. A Espanha cobre em dinheiro parte das inversões.
Usar o ICMS para atrair investimentos é impróprio. Pode gerar prejuízos a outros Estados, interferir em políticas nacionais e acarretar ineficiências na economia. Um exemplo extremo é o dos incentivos para as importações pelo porto de Vitória.
Por aí, a guerra fiscal deve ser combatida. Quando todos os Estados tiverem concedido o mesmo incentivo, ninguém se diferenciará e o resultado será uma perda generalizada de receita.
Não cabe falar em guerra fiscal, todavia, quando, na ausência de outros instrumentos, o incentivo do ICMS for a única alternativa. Nesse caso, devem existir limites e regras aceitos por todos os membros da Federação.
A concessão unilateral, indiscriminada ou disfarçada do incentivo é contrária aos interesses de todos. Deve-se reconhecer, contudo, que será difícil aprovar propostas para evitar o caos enquanto forem altos certos interesses imediatistas.
A confusão reinante e o apoio que ela gera à indisciplina nos cobrará ainda um alto preço até que resolvamos esses e outros problemas do ICMS.

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