São Paulo, segunda-feira, 23 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sangue escorre no matadouro do rock

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

No mundo pop, nenhum espectro é mais aterrorizante que o do fracasso. Não o fracasso inescapável das bandas que jamais saem do anonimato, mas aquele de outro tipo, opressivo, gradual, que se abate sobre grupos que inicialmente até imprimem algum tipo de marca, mas rapidamente derrapam de volta ao esquecimento. Várias bandas, uma mesma história: lançado o primeiro disco, começa a chover dinheiro, seguem-se longos períodos de auto-indulgência química e sexual, chega a hora do segundo álbum, ninguém consegue compor, a gravadora pressiona, as horas de estúdio explodem orçamentos, a gravadora se enche, a banda é demitida e todo mundo volta a seus antigos empregos de vendedor de livros usados e/ou artista plástico categoria Z. De olho nessa trilha tantas vezes percorrida, a revista inglesa "Select" correu atrás de várias bandas da safra 90/91, época da chamada cena "shoegazer" (aquele pessoal que cantava sob guitarras altíssimas, com pose tímida, olhando para os próprios pés).
E o que aconteceu com tantas bandas promissoras daquele tempo? Basicamente, nada.
O sombrio Slowdive teve de mudar de nome para Mojave 3 depois de ser despachado pelo selo Creation, justamente por falta de criatividade.
Os arruaceiros do Ned's Atomic Dustbin piraram quando um garoto morreu durante um show deles em Dallas (EUA).
O Farm ("altogether now", lembra?) foi para o espaço e agora seus músicos, arrependidos, acham que tudo foi causado pela superexposição deles na imprensa, mesma desculpa dada pelos caras do Adorable.
E os fracassos se seguem: Soup Dragons, Senseless Things, Mock Turtles... Prometeram, prometeram e se acabaram. Mas, de todos, o caso mais cruel é o do Curve, a grande banda da supersexy Toni Halliday. Se você desconhece o Curve, não se preocupe: ele soava igualzinho ao Garbage, que tanto toca no rádio atualmente ("I'm only happy when it rains...", você já deve ter ouvido).
Halliday contou para a "Select" que por volta de 1992/93 entrou numa trip alucinada de drogas e farras. No festival de Glastonbury, em 1993, a banda apresentou o pior show da sua vida ("cada um de nós tinha tomado 15 cervejas"). Daí para a obscuridade foi um passo.
Agora, Toni Halliday tenta fazer trilhas sonoras de filmes. Não tem dado muita sorte. O último para o qual compôs foi "Showgirls", maior desastre da carreira do diretor Paul Veerhoven e sério candidato a pior filme dos anos 90.
Relatos tão deprimentes amplificam a sensação de que a indústria pop funciona como uma espécie de matadouro high tech, cada dia mais sedento de carne fresca.
O problema é que às vezes o sangue escorre por baixo da porta.
***
Se não der nenhuma zebra, na semana que vem estarei mandando esta coluna de um lugar bem legal, onde tem show de montão, CD custa baratinho, é moleza achar os livros que a gente quer e ninguém ouviu falar nos Engenheiros do Hawaii.
Aguarde... e saberá daqui a sete dias que paraíso é esse!

Texto Anterior: Alice in Chains; Mike Watt; Nirvana; Soundgarden; Raridade; MOM
Próximo Texto: Unwound, "Repetition"; Tortoise, "Millions now living will never die"; Legião Urbana, "A Tempestade"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.