São Paulo, segunda-feira, 23 de setembro de 1996
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A diáspora tricolor

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Amigos tricolores me pedem que denuncie os atuais dirigentes do clube. Esses cartolas querem transformar o estadinho do Fluminense numa garagem. A idéia de sucatear o campo é a mais cômoda que a diretoria encontrou. É um crime acabar com o primeiro estádio digno desse nome que o Brasil possui. Foi ali que ganhamos o primeiro título internacional, o sul-americano de 1919. Era ali que se realizavam as concentrações de massa da época.
Coelho Neto, que morava ao lado, ali fez discursos sobre a Grécia, seus filhos jogavam no time principal, um deles, Preguinho, é uma lenda tricolor. Ali Getúlio Vargas -que também morava ao lado, no Palácio Guanabara- inaugurava com Mário Filho os primeiros Jogos da Primavera. As melhores, as mais saudáveis coxas do Rio desfilavam ali.
Como torcedor do Fluminense, tricolor de coração como diz o nosso hino, sinto revolta e nojo. Vender o campo de um clube é vender sua alma. Seria o mesmo que o Brasil vender a Amazônia para pagar a usina de Angra.
Para os cariocas, o estadinho é peça histórica, devia ser tombado. Para os tricolores, o estádio é a pátria, o chão comum. Foi ali que, de calças curtas, vi Romeu e Tim darem memorável baile na defesa do Boca Juniors. Vi Hércules -o Dinamitador- fazer gols do meio campo.
Anos mais tarde, em 1951, pulei o alambrado com outros torcedores e carregamos Didi -ébano suado- e Telê Santana nos ombros, depois de uma partida contra o Madureira, que de repente engrossou e quase ia roubando o pontinho que nos tiraria o campeonato daquele ano. Telê era um esqueleto, ossos e camisa, ele andou por vários clubes e seleções, mas até hoje é como eu: tricolor de coração.
Sem o estádio, iniciaremos uma diáspora. Penduraremos nas amendoeiras da cidade os nossos alaúdes. Não mais cantaremos as nossas alegrias, ficaremos órfãos de nossa glória e de nós mesmos.

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