São Paulo, segunda-feira, 23 de setembro de 1996
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A pata e a galinha

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE

O publicitário Duda Mendonça, responsável pela recuperação da imagem pública do atual prefeito e por gerar uma imagem para seu candidato, considera que a principal distinção entre um candidato e um hambúrguer é que o segundo não fala, nem tem passado.
Como se vê, seu candidato ideal não se distingue por ter idéias, muito menos que tais idéias sejam viáveis, ou que tenham a ver com os problemas vitais que afligem a população. Melhor ainda se o candidato não for obrigado a falar e expor uns tantos projetos sensatos e realistas. Melhor ainda se for possível, no lugar dele, cacarejar um par de tolices. Sim, cacarejar.
O mesmo Duda Mendonça, criador da imagem publicitária de Celso Pitta, em entrevista à TV Bandeirantes, contou a história da pata e da galinha para explicar o sucesso de sua criação: a pata põe um ovo maior, mais resistente e com maior teor nutritivo do que o ovo de galinha. Mas a pata põe o ovo em silêncio, enquanto a galinha cacareja e, com isso, torna o seu produto, embora mais tacanho, mais frágil e de pior qualidade, um melhor candidato ao sucesso de público.
Pouco me importam, aqui, as opiniões implícitas do publicitário sobre seu produto. O que me preocupa, nesse contexto, é o pato. Isto é, você, eu, o eleitor: o pato. Pois o que transparece é que, com um bom cacarejo, pode-se fazer, ou tentar fazer, o eleitor engolir um par de rematadas tolices à guisa de soluções para nossos problemas mais angustiantes.
Veja o problema da segurança. Complexo, porque apresenta naturezas muito diversas, desde os grupos de assaltantes profissionais à violência dos pequenos furtos de menores, passando pelo tráfico e desaguando na violência cotidiana do trânsito. Multidimensional, porque envolve inúmeras causas, umas sociais, outras culturais, outras meramente administrativas.
Pois a publicidade de Celso Pitta nos brinda com uma solução única e definitiva, mas que não resiste à análise: a municipalização da polícia "como em Nova York". Primeiro, uma emenda constitucional, como seria necessário no caso, não levaria menos de dois anos para tramitar e outro tanto para ser regulamentada nas Constituições estaduais e nas leis orgânicas dos municípios. Até lá, o próximo prefeito terá terminado seu mandato, e o atual candidato Celso Pitta estará esquecido, mas quem se importa? Apenas nós, os patos.
Quem pagaria a polícia municipal, com que dinheiro? Cada um dos 5.000 municípios brasileiros teria uma polícia "como em Nova York"? E os criminosos na avenida Corifeu de Azevedo Marques iriam assaltar em São Paulo para serem perseguidos pela polícia de Osasco? Exatamente "como em Nova York"?
Outro ovo de Colombo é o veículo leve sobre pneus (VLP), o trem sobre rodas que a publicidade do candidato tenta vender em substituição aos corredores de ônibus prometidos (12!) e não feitos (zero!) e como desculpa para a falta de empenho da prefeitura com relação à extensão do metrô. Concebido há quase 30 anos, a melhor prova da acanhada eficiência do VLP é o fato de ter sido adotado apenas em duas, sim, duas cidades de pequeno porte.
O plano completo, segundo dados fornecidos pela publicidade do candidato à Folha (28/8/96, pág. 1-6), compreenderia uma rede de 400 km de viadutos (ou seja, uma via Dutra sobre pilastras) e custaria R$ 4,8 bilhões. Para se ter uma idéia, isso seria equivalente a dobrar a extensão atual da rede de metrô, aumentando sua capacidade para 5 milhões de passageiros, mais do que toda a população economicamente ativa da cidade.
A idéia é tão mirabolante que o próprio presidente da antiga CMTC, funcionário de Paulo Maluf e colega de administração de Celso Pitta, responsável pelos transportes públicos na prefeitura, teria admitido ao jornal que "houve um pouco de imaginação dos publicitários". Um pouco de imaginação? Um anel de viadutos cruzado por raios em todas as direções, suspenso sobre São Paulo numa extensão de 400 km em torno do centro? Um pouco de imaginação? Transformar São Paulo num imenso paliteiro?
O Playcenter é certamente bom para São Paulo, mas a cidade não merece ser transformada num "Space Looping" para diversão de uns, enquanto outros pagam o pato. Merece menos ainda tomar gato por lebre, ou pior, comprar, em vez de ovo de pata, nem sequer ovo de galinha, mas um mero cacarejo.

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