São Paulo, segunda-feira, 23 de setembro de 1996
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Roma reúne iniciados do mês de agosto

MICHAEL MEWSHAW
DO "TRAVEL/THE NEW YORK TIMES"

Muitas cidades têm estações imortalizadas em músicas -"Abril em Paris", "Outono em Nova York", "Setembro na Chuva" (Londres)-, mas ninguém, até onde sei, exaltou numa canção o mês de agosto em Roma.
Até recentemente, achava que não havia pessoas bastantes na rua para tocar a nota certa. Ou talvez o calor perturbasse tanto os espíritos que fosse impossível dar o tom.
Agora sei que o mês é um segredo compartilhado por uma pequena e perspicaz confraria de amantes do Sol, sibaritas (dados a prazeres e indolência) e exploradores.
Morei em Roma por 12 anos, e a cada agosto eu e minha família fugíamos para o mar ou as montanhas, nos unindo a um êxodo que em magnitude lembra a retirada de Napoleão da Rússia e em alegria, a britânica de Dunquerque.
Agora, horários da escola dos filhos e exigências do trabalho me impedem de voltar a Roma, exceto para pequenas visitas no verão.
Foi então que adquiri minha experiência sobre os agostos romanos, que começam em meados de julho, quando os primeiros restaurantes, cinemas e farmácias baixam suas portas de ferro.
Fuga para as montanhas
Donos de café empilham -e prendem com correntes- mesas e cadeiras e vão para as montanhas.
Profissionais de todos as vocações os seguem, entre eles padres e freiras, cujo destino predileto dista cerca de 36 km pela via Aurelia, em La Casa di Palidoro, um resort à beira-mar para religiosos.
O que torna os finais de verão em Roma ainda mais difíceis é o fato de a cidade viver de acordo com ritmos manhosos e inflexíveis.
Ao longo de 11 meses, o visitante se percebe caindo nos mesmos padrões dos romanos, e isso gera uma absoluta lealdade a padaria, cantina e café do bairro.
Mas agosto é uma cilada, porque todos começam a lutar pelo essencial. A promiscuidade substitui a lealdade, e cada um é forçado a jantar em restaurantes estranhos, lidar com açougueiros desconhecidos e fazer negócios sem o habitual contato humano.
Mais antiga profissão
Por falar em contatos humanos, de acordo com um filme, a mais antiga das profissões segue o decreto "nunca aos domingos" em Atenas, mas em Roma a regra é "nunca em agosto". Segundo minhas fontes, até bordéis fecham.
Entre 27 de julho e 6 de agosto do ano passado, as autoridades municipais estimaram que os 3 milhões de habitantes da cidade foram reduzidos a mero 1 milhão.
Meus cálculos não-científicos indicam que a população do "centro histórico", o coração antigo da cidade, cai a níveis ainda menores.
Isso não significa que a cidade fique deserta. Ondas de turistas marcham do Fórum ao Coliseu e daí ao Vaticano, como legionários patrulhando uma região do Saara da qual fugiram os nativos.
Museus e ruínas ficam abertos, e, ao longo de restos de mármores, as pessoas, como lagartos.

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