São Paulo, terça-feira, 24 de setembro de 1996
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Mudanças climáticas globais

ENEAS SALATI

O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) é inequívoco: não há mais dúvidas sobre o fato de que o clima da Terra mudará, redesenhando inexorável e dramaticamente a face planetária. Mesmo levando em conta o efeito moderador dos aerossóis, espera-se um aumento de 3,5 graus na temperatura média. Com uma atmosfera mais dinâmica, os ciclones e tufões poderão se multiplicar em número e intensidade.
Não se sabe em que medida as mudanças serão, como no passado, consequências de variações naturais inerentes ao equilíbrio dinâmico do ecossistema planetário e até que ponto serão induzidas pelas atividades humanas. O que se pode discutir é a validade dos modelos climáticos, os quais dependem da profundidade do conhecimento dos processos e mecanismos que determinam o clima de uma região, bem como os valores dos parâmetros a serem utilizados.
Uma das revelações mais sombrias do relatório do IPCC indica que as mudanças são sensíveis em escala de décadas. É aí que existe uma grande diferença entre as mudanças climáticas antrópicas (causadas pelo homem) e aquelas que se devem às oscilações naturais do clima e que ocorrem em milênios.
Ao longo das mudanças naturais, os ecossistemas têm tempo de se adaptar: algumas espécies migram, outras se adaptam. Se as mudanças forem bruscas, porém, muitas espécies poderão desaparecer, tornando difícil mesmo a própria adaptação da espécie humana, que depende para a sua sobrevivência da produtividade primária dos ecossistemas, ou seja, da produção de alimentos.
O principal responsável pelas mudanças climáticas é a queima de combustíveis fósseis para a geração de energia -processo iniciado por volta de 1850 e acelerado a partir da década de 50, principalmente nos países ricos. O aumento de concentração de gás carbônico na atmosfera é acachapante.
Medidas indiretas dão conta de que, até por volta de 1850, o nível de concentração do gás carbônico na atmosfera era igual a 280 ppmv (parte por milhão, em volume). Medidas sistemáticas e diretas revelam um aumento dessa concentração de 315 ppmv, em 1958, para 357 ppmv, em 1992. De 1850 a 1992, portanto, a concentração de gás carbônico na atmosfera terrestre aumentou em 27%.
Em termos absolutos, na última década a atmosfera do planeta veio acumulando, em média, 3,4 bilhões de toneladas de carbono na forma de gás carbônico por ano. As emissões atuais de gás carbônico, da ordem de 6,5 bilhões de toneladas de carbono por ano e decorrentes das atividades humanas, ultrapassaram a capacidade de assimilação pelos sistemas oceânicos e terrestres. Esse fato evidencia e evidenciou, pela primeira vez na história da humanidade, que o homem pode alterar e está alterando o equilíbrio global do planeta.
Fato também incontestável é que o gás carbônico, pela natureza da sua estrutura molecular, absorve a radiação infravermelha (calor), que é exatamente aquela emitida pela atmosfera e pela superfície terrestre.
Assim, existe uma situação na qual duas informações cientificamente incontestáveis -o aumento da concentração de gás carbônico e as propriedades físicas desse gás- fazem com que o balanço de radiação entre o planeta e o espaço sideral seja alterado, no sentido de que no equilíbrio dinâmico haverá maior retenção de energia na troposfera terrestre, com tendência a um aumento de temperatura.
Como não se pode modificar o comportamento das moléculas, no que diz respeito ao seu espectro de absorção, a única solução para evitar um cenário que pode ser catastrófico para a espécie humana é diminuir as emissões, procurando atingir os equilíbrios existentes, num passado próximo. A Rio-92 foi palco do choque de interesses dos países industrializados, que têm grande dificuldade de mudar sua matriz energética, baseada essencialmente na queima de combustíveis fósseis, e os países em desenvolvimento.
Com uma matriz energética limpa, baseada fundamentalmente na geração de hidroeletricidade, o Brasil sediará em março do ano que vem a Rio+5, encontro que volta a reunir, no Rio, a comunidade ambiental internacional.
Cinco anos depois da Conferência da ONU, cientistas e ambientalistas do mundo inteiro cobrarão resultados dos governos. Examinarão até que ponto os países ricos limitaram as emissões dos gases que provocam o aquecimento da atmosfera e se houve, como prometido, transferência de tecnologias para países em desenvolvimento. A Rio+5 será uma das últimas oportunidades neste século para debater como manter este planeta habitável no próximo milênio.

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