São Paulo, quarta-feira, 25 de setembro de 1996
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Claus Meyer

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Claus Christian Meyer era um alemão, ou melhor, um alemãosão -se a palavra existe ou se é permitida. Nos anos 70 veio trabalhar no Brasil, ficou bestificado e nunca mais saiu daqui. Perguntei-lhe por quê. Ele ainda não dominava o português, respondeu-me com a ajuda de gestos:
"Na Europa, sobretudo na Alemanha, eu sentia claustrofobia. Pegava o carro, dirigia numa daquelas estradas que vocês acham maravilhosas, sim, maravilhosas, mas eu sabia que era como um cenário teatral, depois delas não havia nada. No Brasil, eu sei que depois de cada morro tem outro morro e depois dele outros morros...".
Fiquei espantado. Impossível que ele tivesse lido Guimarães Rosa, o português dele não dava para tanto. Disse-lhe isso. Ignoro se chegou a ler o Rosa. Ontem, pela manhã, recebi a notícia: aos 52 anos, numa crise moral, ele se suicidara.
Era um garotão como certos alemães que nunca crescem. Ingênuo e competente, ganhou fama internacional como fotógrafo, colecionou prêmios, qualquer trabalho seu tinha uma assinatura inconfundível: a limpidez dos elementos, a cor exata -suas fotos de Carnaval eram impressionantes pela capacidade de captar o movimento na imobilidade do instante.
Trabalhamos juntos alguns anos. Como editor, sabia que uma foto sua merecia de estalo a página dupla. Estava sempre suado, o suor era o excesso de um apetite vital que não se fartava da luz e dos gestos. Tudo isso acabou num drama silencioso, um desfalque na sua agência, ignoro os detalhes, uma funcionária tinha faturamento paralelo, a solução que encontrou foi atirar-se pela janela.
Ele me parecia um desses personagens secundários de Thomas Mann que provocam complicada destilação interior nos personagens principais. Seria, em certo sentido, aquele homem banal que entrou na vida de Adrian Leverkühn, transformando-o num Fausto torturado e sem redenção.

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