São Paulo, quarta-feira, 25 de setembro de 1996
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Cidade participativa

AMILCAR MARTINS

Entre os desafios que os novos prefeitos das grandes cidades terão de enfrentar está a crescente demanda por participação. Não apenas a participação por meio da representação política tradicional, mas a mais moderna e direta, em que o cidadão sabe como acessar o poder público e obter respostas concretas para suas aspirações.
O conjunto de problemas das grandes cidades e os desafios gerados pela substituição de tecnologias e pelo processo de globalização de mercados impõem uma realidade nova para os administradores locais. Muito mais do que simples gerentes da rotina urbana, os prefeitos eleitos agora terão de assumir uma outra postura.
Caberá a eles a missão de perceber potencialidades e vocações de suas cidades, induzir oportunidades de crescimento econômico e orientar concretamente o apoio governamental a alternativas de desenvolvimento.
Para viabilizar essa nova forma de governar, é fundamental pactuar, entre as partes, mais que um estilo, um projeto compartilhado de desenvolvimento econômico e social. Entre as diversas esferas do Executivo, com o Legislativo, a iniciativa privada, instituições de financiamento internacional e, principalmente, a sociedade civil.
Esse sentido de projeto coletivo, assentado em parcerias, é o caminho para estabelecer um código novo de participação da população sob a ótica de uma interlocução efetiva e qualificada, seguida de ações concretas.
Ao planejar as ações de governo, é indispensável termos plena consciência de que estamos diante de uma nova sociedade, que nos tem dito, nas formas as mais variadas possíveis, que não aceita mais caminhar apenas a reboque das iniciativas governamentais. Os exemplos são fartos, começando pelas iniciativas de caráter assistencial que se multiplicam por este país.
A sociedade não tolera mais um timoneiro autoritário, sempre à sua frente tentando ditar os destinos que ela não escolheu. O que ela deseja é que os poderes públicos -e especialmente o municipal-, o mais próximo dela, caminhem a seu lado, ajudando-a a transformar sonhos (às vezes tão simples) em realidade. Para isso é preciso saber ouvir além das amarras do tecnicismo e do partidarismo.
Também é preciso não confundir sensibilidade social e cidadania com populismo e demagogia. Há de sobra por aí orçamentos participativos que não saem do papel, conselhos populares instalados às pressas e mais placas de obra do que propriamente obra realizada.
Ao lado de um planejamento realista, que aponta como investir de forma mais eficiente os escassos recursos públicos, chegou a hora de reconhecer nas ruas, bairros, favelas um notável contingente de "fazedores" criativos e incansáveis.
Quase sempre distantes da mídia, que se acostumou ao catastrofismo, eles têm, ao seu modo, resolvido grandes problemas das suas comunidades, organizando mutirões, abrindo creches, plantando hortas comunitárias, atendendo crianças de rua e uma infinidade de outras iniciativas. Muito pouco falta para potencializá-las e torná-las mais coletivas.
Nas campanhas eleitorais deste ano, quase nenhuma atenção tem-se dado ao tema. Mais uma vez, acompanhando o termômetro das pesquisas, institui-se uma verdadeira guerra de guerrilha no cenário político.
Denuncia-se de tudo e sem qualquer preocupação com o mais elementar: o ônus da prova. Perde-se mais e mais tempo com ataques e contra-ataques -o debate de propostas e soluções fica para o segundo plano. Pouco ou quase nada se tem perguntado sobre a viabilidade dos programas de governo. Quase nada se tem discutido sobre disponibilidade orçamentária, custos de programas, projetos e obras.
Tudo que não se fez em quatro anos promete-se de novo, sem nenhuma cerimônia e, o pior, sem qualquer questionamento. É uma pena que o verdadeiro compromisso com a ética e o respeito à população não saia do discurso político para a prática. O que esses candidatos não percebem é que os ataques não esvaziam só o debate. Fatalmente esvaziam também a urna de votos no próximo 3 de outubro.

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