São Paulo, quinta-feira, 26 de setembro de 1996
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Otimismo de Kandir

CELSO PINTO

Mesmo sem demitir ninguém, nem contar com a reforma administrativa, o governo deverá reduzir seus gastos com o funcionalismo neste ano em R$ 1,5 bilhão em comparação com o ano passado.
Pelas contas do ministro do Planejamento, Antonio Kandir, os gastos com pessoal, que foram de R$ 42,2 bilhões em 95, deverão fechar este ano em R$ 40,7 bilhões. Isso, sem o Programa de Demissões Voluntárias (PDV) e a eliminação de cargos.
A economia é resultado, em grande medida, da decisão de não reajustar o funcionalismo este ano, algo que acaba tendo um impacto positivo diluído ao longo do tempo. Supondo alguns ajustes, Kandir aposta numa redução adicional nesta conta no próximo ano. Além disso, conta com uma economia de outros R$ 2 bilhões nas contas da Previdência.
Baseado em dados como estes, Kandir tem uma visão bastante otimista em relação a 97. Ele supõe que o país poderá conjugar três condições básicas para dar certo: governabilidade, taxas de juros mais decentes e crescimento econômico mais robusto, em torno de 5%.
A governabilidade seria reforçada pela aprovação do direito à reeleição, algo que Kandir avalia como muito provável. O resultado das eleições municipais não consolidaria nenhuma alternativa séria ao presidente. Paulo Maluf não se firmou nacionalmente, nem teria apoio partidário suficiente para desafiar o presidente.
O cenário ideal, do ponto de vista da estratégia do governo, seria aprovar a reeleição no primeiro semestre do próximo ano.
Como as chances do presidente Fernando Henrique ser reeleito seriam muito grandes, a avaliação do mercado e dos investidores internacionais passaria a levar em conta um horizonte de seis anos pela frente e não apenas os dois últimos anos do atual mandato.
A tolerância a desequilíbrios temporários seria ampliada. Kandir não fala em números, mas no governo já se trabalha com a hipótese de um déficit comercial entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões este ano e até US$ 5 bilhões no próximo. Não é dramático, considerando que o comércio exterior movimenta mais de US$ 100 bilhões, ou que o PIB vai superar US$ 700 bilhões em 97. Mas, claramente, daria mais conforto ao mercado saber a direção da política a mais longo prazo.
A convergência da inflação para um dígito e o fato de a variação do preço dos produtos não sujeitos à concorrência externa ("non-tradables") estar ficando mais próxima à dos expostos à concorrência ("tradables"), indicam, para Kandir, que há um caminho seguro à frente para a redução das taxas de juros. Algo mais agressivo e que, por isso mesmo, teria mais impacto fiscal pela economia nos gastos com juros.
Duas outras razões alimentam o otimismo de Kandir na área fiscal. O impacto positivo de um crescimento mais forte e o potencial do programa de privatização. Kandir estima que a privatização poderá render algo em torno de 1% do PIB no próximo ano e pelo menos 0,5% do PIB nos anos seguintes.
Kandir está tão confiante que admite projetar o impensável: uma redução na dívida líquida do setor público, ou seja, o total das dívidas de todas as esferas de governo, menos os ativos e créditos a receber. Hoje, a dívida líquida está em 33,9% do PIB.
As contas de Kandir são que, se for possível obter um superávit primário (receitas menos despesas, exceto juros) equivalente a 1,5% do PIB no próximo ano, de 1,7% do PIB em 98 e de 2% em 99, a dívida líquida poderia cair para 30% do PIB.
Neste cenário róseo, tanto o desequilíbrio fiscal quanto o das contas externas seriam corrigidos ao longo de alguns anos, com um crescimento razoável e a continuidade das reformas sendo garantida pela reeleição. Excesso de otimismo? Talvez, mas Kandir não é o único membro do governo, em Brasília, que aposta nisso.
Colombo
Piadinha neoliberal contada pelo diretor do FMI, Vito Tanzi, em sua recente passagem por Brasília. Colombo chega à América e é abordado por um nativo-repórter, que o cobre de perguntas. A resposta de Colombo: "Não sei onde estou, não sei como cheguei, nem sei direito o que estou fazendo. A única coisa que eu sei é que foi o governo que financiou a viagem".

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