São Paulo, quinta-feira, 26 de setembro de 1996
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Correção cambial

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

No artigo da semana passada, tentei explicar por que a atual combinação de câmbio sobrevalorizado e juros altos cria, entre outros problemas, enormes barreiras ao ajustamento das contas públicas.
Não é fácil desatar o nó criado pela política cambial e monetária. Mas a demora em enfrentar os problemas pode ser muito perigosa.
Um período prolongado de câmbio relativamente estável, combinado com juros internos elevados e crédito escasso em moeda doméstica, induz à dolarização dos passivos das empresas e até mesmo das famílias, sobretudo se houver remoção de restrições a contratação de créditos em moeda estrangeira.
À medida que passa o tempo, aumenta o número de agentes econômicos endividados em moeda estrangeira que não dispõem de acesso a mecanismos de "hedge" (de proteção financeira contra a eventualidade de uma desvalorização) ou que não têm receitas em moeda estrangeira. Com isso, cresce a resistência ao ajustamento cambial.
O temor de gerar turbulência financeira doméstica acabaria levando a uma imobilização progressiva da política cambial.
No limite, o Brasil perderia um instrumento fundamental de política econômica e terminaria numa situação semelhante à da Argentina, a despeito da maior flexibilidade institucional do seu regime monetário e cambial.
É fundamental, portanto, criar desde logo condições para uma correção da taxa cambial.
Se realizada de forma cuidadosa e no momento apropriado, uma desvalorização real contribuirá para criar um contexto macroeconômico mais propício ao ajustamento das contas públicas, ao permitir que a economia opere com taxas de juro menores e um nível de atividade mais alto.
Algumas circunstâncias já são favoráveis à correção cambial. As taxas de inflação têm sido mais baixas do que o esperado. A economia está agora mais desindexada, o que permite promover correções de preços relativos sem afetar de forma duradoura a taxa de inflação, a exemplo do que ocorreu em 1996 com diversos preços públicos.
Além disso, a economia brasileira, como todas as economias continentais, é relativamente fechada ao comércio exterior e nunca foi fortemente dolarizada no que tange à formação de preços e salários. Isso significa que a variação cambial pesa relativamente pouco nos índices de preços, especialmente nos índices de preços ao consumidor.
Do lado do setor externo, também há alguns pontos positivos. Em 1996, as reservas internacionais no Banco Central continuaram crescendo e estão, atualmente, próximas de US$ 60 bilhões.
Ocorreu, também, certa melhora na qualidade dos ingressos de capital. Os prazos médios dos empréstimos externos captados pelo Brasil têm aumentado. Aumentou também, e de forma significativa, o influxo de investimentos diretos estrangeiros.
De janeiro a agosto, o ingresso líquido de investimentos diretos foi, inclusive, substancialmente superior ao ingresso líquido de investimentos de portfólio, que são capitais mais voláteis.
Um bom momento para desvalorizar talvez seja o início do ano que vem, época em que a economia tende a estar mais desaquecida por motivos sazonais. Isso diminuiria o impacto inflacionário associado à desvalorização cambial.
Daqui até lá, o governo precisaria, naturalmente, realizar algum progresso em termos de redução do déficit público e manter uma política monetária restritiva. Precisaria, também, deslocar a banda cambial larga e aumentar a sua amplitude.
Uma desvalorização da ordem de 10% a 15% não teria custo proibitivo em termos de impacto sobre os índices de preços e faria uma grande diferença positiva para os exportadores e os setores que concorrem com importações.
Abriria caminho para romper os impasses em que começa a afundar o Plano Real. Reduziria a dependência financeira externa do país. Aumentaria as taxas de crescimento do PIB e do nível de emprego, compatíveis com a segurança das contas externas. Tornaria o ajuste fiscal menos doloroso, viabilizando-o do ponto de vista político.
A melhor política econômica não é aquela que insiste, às vezes com uma ponta de sadismo, na inexorabilidade de medidas dolorosas. Mas sim aquela que encontra maneiras de viabilizar política e socialmente as medidas econômicas necessárias à autonomia e ao desenvolvimento do país.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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