São Paulo, quinta-feira, 26 de setembro de 1996
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Menos dinheiro para a casa própria

ALOYSIO BIONDI

A classe média terá menos dinheiro para comprar a casa própria, com empréstimos da Caixa Econômica Federal ou dos bancos privados, que estão sendo autorizados a desviar até dinheiro das cadernetas de poupança para aplicá-lo na compra de empresas estatais.
Esse é o verdadeiro balanço do "pacote imobiliário" anunciado pelo governo por meio de nova medida provisória.
O esquema foi enganosamente apresentado como solução para o problema habitacional e reativação do setor de construção. Ele atende apenas, e mais uma vez, aos interesses dos bancos, que vão dispor de bilhões de reais para aplicar em operações mais lucrativas, a juros livres de 8% a 14% ao mês -ou a comprar estatais com dinheiro do Tesouro, do contribuinte, em novo privilégio.
O "pacote imobiliário" divide-se em duas partes distintas. Há, de um lado, o "acerto" de contas com o Tesouro, que deve cobrir os rombos do chamado Fundo de Compensação de Variações Salariais, criado para pagar os saldos que "sobravam" no final dos contratos habitacionais.
Em sua outra face, o esquema envolve o pagamento das dívidas dos compradores de imóveis, que seria resolvido com a concessão de prazos maiores, descontos sobre o saldo devedor e renegociação dos "contratos de gaveta".
É no acerto com o Tesouro que surgem os novos privilégios aos bancos -e sobra menos dinheiro para financiar a casa própria.
As dívidas do Tesouro, na prática, se dividem em dois tipos: um "calote" de uns R$ 8 bilhões, representado por débitos do FCVS sobre contratos liquidados, e que não foram pagos no prazo pelo Tesouro (dos quais R$ 6,5 bilhões à própria Caixa e R$ 1,5 bilhão aos bancos privados).
No segundo lote estão os contratos já liquidados (antecipadamente, sobretudo), mas que, pelas leis atuais, o governo teria de 10 a 20 anos para pagar.
Em resumo: há "calote", em parte, mas há também contratos que nem sequer estão vencidos. O "esquema" proposto prevê que todos esses tipos de dívidas serão pagos agora, pelo Tesouro, com entrega de títulos aos bancos (e à CEF). Só eles lucrarão.
O desvio
Com a medida, segundo o governo, haveria mais dinheiro para bancos (e CEF) financiarem imóveis, já que eles poderiam vender os títulos no mercado, com descontos mesmo (deságio) de 50% a 60%.
Blablablá. A mesma medida provisória prevê que esses títulos poderão ser usados para vários fins, desviando o dinheiro que seria destinado a imóveis.

CEF perde
Além disso, a CEF vai sofrer novas perdas. Como? Os bancos privados financiam a construção e compra de imóveis com dinheiro do FGTS, que lhe é emprestado pela CEF, "gerente" desse fundo.
Os bancos têm dívidas em atraso. Não vão precisar pagá-las em dinheiro, que a CEF usaria em novos empréstimos a compradores da casa própria.
Vão pagar com os títulos do governo, que serão aceitos também na quitação de outras dívidas dos bancos com a CEF.

Até a poupança
Pela lei, o dinheiro que os bancos captam com a caderneta de poupança deve ser obrigatoriamente aplicado em empréstimos para a compra de imóveis, a taxas de juros "tabeladas". Essa exigência foi suspensa pela MP.

Até privatização
Os novos títulos servirão para a compra de empresas estatais. Atenção: sem o atual desconto, ou "deságio", de 50% a 60%.
Atenção, ainda: até o dinheiro da poupança, por meios indiretos, será desviado para a "privatização" (artigo 5º, combinado com o artigo 9º da medida provisória).

Privadoação
Na prática, o "pacote" do Tesouro vai pagar, com títulos, dívidas que só venceriam daqui a 10, 15 ou 20 anos. E os bancos vão comprar estatais com os títulos. É outro pacote "salva-lucro-dos-bancos".

Contradição
A CEF tem comprado "carteiras imobiliárias", isto é, os contratos de empréstimos feitos pelos bancos privados a compradores de casa própria. Injeta dinheiro nos bancos e nega ter dinheiro para empréstimos à classe média e ao povão.

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