São Paulo, quinta-feira, 26 de setembro de 1996
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Trânsito entre linguagens e suportes caracteriza arte contemporânea

NELSON BRISSAC PEIXOTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma exposição dedicada a jovens artistas sugere desde logo a intenção de estabelecer o perfil de uma geração, como ocorreu em décadas passadas.
Se no projeto "Antarctica Artes com a Folha" existiu esse intuito, ele logo se desvaneceu diante da complexidade do quadro encontrado.
Nem que se quisesse poderíamos ter um princípio estético aglutinador dos trabalhos reunidos, como em grande parte o neo-expressionismo funcionou para o início dos anos oitenta.
Mas isso não quer dizer que a extrema diversidade da produção jovem contemporânea, recorrendo aos mais variados estilos e meios, não tenha um rosto. Essa face emergeria, porém, para nossa surpresa, ao longo do trabalho curatorial. Ela seria o resultado desse mapeamento, ao longo das viagens realizadas pelo país.
Linguagens e suportes
Várias questões servem para delinear o conjunto dos trabalhos aqui expostos. O trânsito entre diferentes linguagens e suportes, talvez a mais importante característica da arte contemporânea, é também uma das marcas desta produção jovem. Passagens entre os dispositivos pictóricos e os que operam com imagens técnicas ou ainda os que se realizam como intervenções no espaço.
Na encruzilhada destes movimentos, a fotografia parece ter uma função agenciadora, facilitando a articulação de procedimentos e materiais diversos. Referência na pintura de Marco Di Giorgio, usada nas impressões em vinil para light-box de crianças com cabeças de bonecos de Keila Alaver, ela também aponta para as novas mídias no trabalho fotográfico de Alberto Bitar.
A fotografia aparece representada por artistas de várias partes do país, indício de que seu uso está amplamente generalizada na nova geração. Menos porém pela abrangência geográfica, mais instigante é a natureza investigativa desses trabalhos fotográficos, que operam tanto sobre a linguagem (questões de quadro e definição) quanto sobre o dispositivo (câmera, revelação, material).
Assim é o que Cao Guimarães opera com uma velha câmera, muito precária, sem sensibilidade. Destes dispositivo emergem paisagens perdidas na obscuridade.
Mas a questão da visão e seus limites aparece também em instalações que tratam do ofuscamento e da desaparição da imagem. Como no trabalho de Luiz Duva, em que a imagem do visitante vai se delinear contra o brilho de refletores e fogo.
Ou ainda na situação criada por Sandra Cinto, em que um lustre dotado de muitas luzes, pendurado rente ao chão, vai delimitar o espaço pelo ofuscamento. Acompanhado pela imagem por excelência da luz: uma pintura de céu.
Intimismo
Outro aspecto, talvez efeito dos impactantes processos de globalização e do desenvolvimento dos meios de comunicação -acentuando a indistinção entre o público e o privado, aumentando a propulsão da nossa cultura ao espetáculo- é o grande número de obras que buscam resgatar um certo intimismo, a experiência pessoa, a visão individual. A quantidade de trabalhos que faz referência ao corpo é parte disso. Mas indicando sempre um mal-estar, um desconforto com sua condição no mundo. Como na instalação-vídeo de Marcondes Dourado, cabines em que vemos imagens de corpos disformes e tensos.
A reaparição da performance -com Laura Lima (criança em engradado com gelatina vermelha) e Rodrigo Saad (pessoa sentada com máscara de onde saem fios com olhos nas pontas, mergulhados em copos com peixes)- tem também à ver com esse resgate da experiência pessoal e única. Mas também surrealista, denotando antes o deslocamento do indivíduo num mundo caótico, recomposto segundo novas lógicas radicalmente pessoais.
Como nos desenhos de João Carlos Lima, todos detalhes de um banheiro. Mundo fortemente colorido, quase pop, mas fechado, entrópico.
Temos então trabalhos que operam na conformação e percepção do espaço, como o de Edilaine Cunha, chapas de vidro sobrepostas que recortam de outro modo a parede atrás. Ou de Nydia Negromonte: fios de arame de diferentes espessuras que avançam ao longo da parede, por vezes sob o reboco. Ou ainda de Lucia Kosh, que aproveita os vitrôs do prédio, cobertos por filtros coloridos, e uma das colunas, suporte para projeção de luz, para trazer a paisagem para o interior da exposição.
Outros artistas enfatizariam ainda mais a complexidade destes elementos balizadores da nossa experiência. Assim José Damasceno concebeu uma situação com blocos de cimento empilhados. Paredes que se desorganizam, formando um labirinto elíptico.
Fernanda Terra cria formas semi-esféricas, de pigmento preto, que provocam no observador uma incerteza ótica: não sabemos se elas se elevam ou são buracos no chão. Ricardo Frantz, por outro lado, cria ambiguidade num espaço que parece corriqueiro, como uma sala de estar, mas cuja desorganização nos faz atentar para o significado de cada um daqueles objetos comuns ali colocados.

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