São Paulo, quinta-feira, 26 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Diretor ficou isolado nos últimos dez anos

DO "LIBÉRATION"

Jerzy Grotowski está doente e enfraquecido, e nos últimos anos concedeu poucas entrevistas. Uma delas foi esta, dada ao "Libération". Leia a seguir a continuação da entrevista.
*
Pergunta - O sr. escolheu Thomas Richards. É a ele que o senhor transmite toda a sua pesquisa. Por que ele e não outro?
Jerzy Grotowski - Por volta de 1985, conheci Thomas e em pouco tempo comecei a enxergar nele o aspecto verdadeiramente orgânico das ações dramáticas, o potencial para a descoberta do processo, escondido nos antigos cantos vibratórios afro-caribenhos e africanos -as grandes capacidades de "interioridade" do ser humano.
Thomas Richards é o pesquisador que eu buscava. Se fui duro com ele, como ele diz, foi por causa disso. Eu não quis jogar com ele aquele velho jogo do mestre e do discípulo, mas colocar em suas mãos um fio tangível e prático, que eu mesmo recebi de outras mãos.
Pergunta - Por que os cantos e não os textos antigos?
Grotowski - Também usamos os textos. Alguns deles, aliás, chegavam a ser expressos numa forma de encantamento -num período anterior de minha vida, explorei o texto que não chega a atingir uma vibração sonora plena. Aqui, chegamos ao limiar de descobertas.
Thomas fala do momento em que tentava criar uma canção -antes de abordar o canto antigo, pode ser útil criar sua própria canção. Eu estava na sala ao lado e o ouvia. Eu lhe disse que no início aquilo funciona e que depois se torna mecânico. Ele me disse: "Sim, é verdade, mas eu procuro a melodia e depois a fixo". Eu lhe disse, então, que depois de fixar a melodia é preciso haver uma busca, sempre, como se ele buscasse encontrar alguém.
Era preciso não tratar a canção "como se ele já a conhecesse". Pois é preciso que tudo esteja engajado na busca: os impulsos, o lado mental.
Pergunta - Qual lugar o sr. concede à escrita, na transmissão?
Grotowski - Se a escrita toma o caminho certo, pode ajudar muito. Nisso o livro de Thomas me parece ser muito útil para os jovens atores. Ele indica que a criação possui aspectos inacessíveis unicamente pelas vias práticas, pois há elementos que cabem dentro da razão e outros que passam por vias menos conscientes. É preciso evitar qualquer proselitismo.
Pergunta - Quando lemos seu último texto, "De la Compagnie Théâtrale à l'Art comme Véhicule", o que chama atenção é a coerência e a continuidade do seu trabalho.
Grotowski - Aparentemente -e, para certas pessoas, de maneira incompreensível-, eu teria passado por períodos contraditórios, mas na verdade quem tem razão é o sr. A linha é totalmente direta. Sempre busquei prolongar a pesquisa, mas quando cheguei a determinado ponto percebi que, para poder dar um passo à frente, precisava ampliar o campo. As ênfases mudam de lugar.
Hoje usamos como veículo os processos ligados a cantos muito antigos, mas se assisto aos documentários dos espetáculos do Théâtre Laboratoire, como "Akropolis", percebo que são espetáculos cantados. Naquela época, eu não sabia disso, não pensava nisso. O espetáculo foi filmado e durante muito tempo eu não quis assistir.
Quando o vi -aliás, não é tão mau- percebi que era cantado. O interesse pelo canto nasceu no meu trabalho. Quando penso nisso outra vez, lembro como eu fazia para chegar à palavra cantada. Só objetivei isso bem mais tarde.
Alguns historiadores falam em ruptura no meu itinerário, mas tenho mais a impressão de um fio, como o fio de Ariadne, que segui -um fio único. Hoje consigo reencontrar os centros de interesse que tinha antes de fazer teatro, como se tudo devesse se reencontrar.
Pergunta - Hoje em dia o sr. concorda em falar, às vezes dá uma palestra, mas de modo geral o seu trabalho continua sendo relativamente secreto.
Grotowski - Em certos períodos, como o dos últimos dez anos, eu preciso me isolar absolutamente de toda publicidade. Não quero ser atropelado pelo grande vento que vem do mundo. Depois, as coisas evoluem. Hoje, o Workcenter (centro de pesquisas de Grotowski) é bem menos isolado do que se poderia imaginar. Começamos a convidar especialistas e depois grupos de teatro. Foram mais de 70 até agora, alguns deles mais conhecidos, outros totalmente desconhecidos.
Em certos momentos, o confronto com um olhar externo se torna necessário. É possível que não percebamos algumas coisas erradas ou que não funcionam. É preciso que a situação seja objetivada por alguém de fora. Isso pode ser espaçado, discreto, mas é necessário, pois o perigo é sempre nos iludirmos a nós mesmos.

Tradução de Clara Allain.

Texto Anterior: Dois morrem na inauguração de restaurante
Próximo Texto: Ernestine canta seus blues no Free Jazz
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.